O DIA QUE PAREI DE PENSAR

O DIA QUE PAREI DE PENSAR.

A cidade para por uns segundos. A temperatura sobe lentamente. Multidões caminham a esmo sem pensar em nada. Um corpo anda no oposto da calçada mal acabada. Rostos sem expressões esboçam palavras sem sentidos. Há uma música bem longe. O vácuo sobrepõe qualquer pensamento. Gente descalça e deserta. Passos largos acompanham o tempo. Uma sombra oca escapa entre os dedos da ilusão. Vultos clandestinos em busca de uma pátria inexistente. Pessoas persistentes. Pessoas resistentes ao vírus do seu próprio universo exótico.

Por uns instantes o mundo parou para descansar. Parei de pensar. Observei o ocaso dos minutos que se passaram. Senti o nada aproximando como se fosse um vagalume querendo iluminar estradas com suas luzes multicores. Mas... Veio o vento, veio o vento atemporal como um temporal mal sucedido. Chuvas que molham o cimento quadrado das casas escondem as lágrimas de um animal arredio... Nada posso fazer senão observar essa cena, como se eu fosse um passante, observando um quadro vivo.

Quadro vivo e semi- acabado com tintas espalhadas por todos os lados. A vida não é assim. As cores se misturam no calor das multidões. Rostos... Rostos... Pincelados por um dia enfadonho. A música, aquela música envolve os pincéis. Ilusão talvez, que viola as pessoas descalças e desertas. O tempo diminui a intensidade das horas. O mundo retorna seu trivial.

Pessoas já caminham pelo ar... Distantes... Distantes... Alheias às sombras que se ocultam misteriosamente por ai, a nossa espreita.

Com meus passos largos, retorno placidamente pela calçada oposta ao meu universo.

Retorno calmamente a minha leitura habitual. E volto a pensar.

Soraia