O MENINO QUE TINHA ASAS

Quando a criança nasceu, a mãe logo viu que havia algo estranho nas costas do filho. O médico não soube identificar o que eram aqueles dois pequenos membros que saltavam da pele do piá. A mãe se apavorou. Chorou, descabelou-se, entrou em depressão pós-parto ainda no hospital. Mas como o bebê gozava de ótima saúde, foram mãe e filho para casa. Caso surgisse alguma coisa diferente, falou o doutor, eles que voltassem.

E assim seguiu a vida em uma cidadezinha pequena do interior, onde a praça e a igreja eram os lugares mais movimentados. O piá foi crescendo. Aquela coisa nas costas quase nem aparecia. A avó paterna dizia que o guri estava marcado pelo diabo e, por via das dúvidas, nem nos dias de mais calor, o pobre andava sem camisa. Não seria de bom tom os vizinhos verem aquilo.

No dia em que o garoto completou nove anos, as asas finalmente tomaram a forma do que realmente eram. Asas. O menino possuía duas belas asas prateadas que brilhavam com a luz do sol. A família ficou extasiada. Não havia marca de nascença do diabo. Não! Era ao contrário! Um anjo! Havia um anjo entre eles.

Mas o belo guri de cabelos loiros e encacheados não tinha a menor idéia do encantamento que causava. Entretanto, agora que suas asas tinham se revelado e não cabiam mais dentro da camisa e nem do casaco, ele estava proibido de sair de casa até que os pais decidissem o que fazer.

O menino das asas mal saía para o pátio. A vizinha fofoqueira do lado podia descobrir o segredo. Bem que podiam dizer que estava fantasiado de anjo... Já tinha visto na Bíblia Sagrada da avó a foto de um querubim. Porém, o guri sabia que de anjo não tinha nada. A única coisa que desejava era sair para a rua e jogar bola de gude com os outros meninos, correr de bicicleta e ser como os outros. Era tão simples...

E foi o que ele fez, em certo entardecer. O céu se encontrava violeta, uma brisa gostosa soprava sem parar. Lá fora os amiguinhos, que o julgavam doente, pois nunca mais pusera os pés na rua, corriam sem parar. Aquilo foi demais para um menino de apenas nove anos. Sem pensar duas vezes, ele abriu a porta da rua e se lançou na calçada. Quem reparou primeiro naquelas asas prateadas fugindo pelas aberturas que o pai improvisara na camisa foi o Juca. Pálido, ele apontou para o amigo e berrou:

- Ele tem asas!

Todos os olhos se voltaram para ele. De repente, a praça parou. Do armazém, saiu gente para a calçada para ver quem possuía asas. As crentes da cidade caíram de joelhos. Milagre! Milagre! Havia um anjo na cidade. Assustado, o menino quis correr. As pessoas se aproximavam ávidas de novidades, ávidas por um milagre, ávidas por algo que lhe movimentasse suas pobres vidas.

O garoto começou a ficar com medo, arrependido que estava de haver saído do refúgio do seu lar. Os olhos dos seus vizinhos, aqueles mesmos que conhecia desde que nascera, estavam diferentes, sinistros, quase maldosos. Eles queriam tocar nas suas asas, uma câmera fotográfica explodiu em um flash. Eu não sou anjo nenhum, quis ele gritar. Eu sou como vocês... Entretanto, nenhuma voz saiu dos seus lábios pálidos. Ele possuía asas, os outros não. A diferença era esta. As pessoas o julgavam divino. O menino sabia que era alguém como qualquer outro alguém.

Então, quando o desespero tomou conta do seu coração, suas asas bateram em um ruflar encantador. O último raio de sol iluminou a prata que lhe despontavam nas costas e as pessoas murmuraram um “oh” extasiado. Ele deu meia volta, atarantado, ensandecido no seu medo. Com reverência, as pessoas abriram espaço para o piá passar correndo, as asas batendo. E essas faziam um som que ninguém jamais conseguiu esquecer.

O garoto sentiu que seus pés não estavam mais tocando no chão. Primeiro ele pensou que estava deslizando; depois se sentiu no ar. E quanto mais batia suas asas, mais distante ficava da terra. Sabendo que alcançaria as estrelas, o menino que tinha asas voou cada vez mais alto. E sumiu. Nunca mais apareceu. As pessoas observaram-no desaparecer nas alturas, crendo que ele estava indo em direção a Deus.

Todos queriam ter asas também.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 02/02/2016
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