Catamarã no Tietê

Alguns estudaram afinco a História do Brasil, sabendo tudo sobre o que aconteceu neste país desde o desembarque da primeira caravela portuguesa no litoral do país em Porto Seguro até a internação de Michel Temer para desobstruir o canal de suas vias urinárias. Mas só um homem do Chuí ao Monte Caburaí sabe o que acontecerá no futuro desta nação até o fim deste século. Ele é paulistano da Barra Funda, desempregado e formado em Astronomia pela USP. Jura que herdou o poder da clarividência através dos sonhos ao chocar sua cabeça na trave, jogando futebol de várzea. Isso foi em 2014. Seu nome é Clarindo.

Sua primeira premonição foi num pesadelo horrendo em que alemães não militares nos bombardeariam impiedosamente por sete vezes, fazendo milhões chorarem envergonhados. Sonhou com a queda da Dama de Vermelho, com panelas batendo e com a ascensão do vampiro. Ao perceber seus sonhos virando realidade, começou a assustar-se. Fez exames neurológicos, procurou ajuda de padres exorcistas e médiuns espíritas. Ninguém conseguiu dar nenhuma explicação lógica, e ele passou a acostumar-se com os flashes premonitórios enquanto dormia.

Naquela noite, viu-se em 2070, em um píer localizado à esquerda da Marginal Tietê, prestes a embarcar num catamarã turístico pelo rio límpido e cristalino, iniciando a viagem no Jardim Humaitá e finalizando a mesma no Parque Jacuí, beirando a Rodovia Ayrton Senna. Gringos estavam maravilhados com a paisagem paulistana, a imponência dos edifícios modernos expondo um Brasil que deu certo, inserido no Primeiro Mundo há pelo menos uma década e meia. No percurso percebeu o verde em reflorestamento consolidado, as aves dando verdadeiros rasantes no leito do rio, arremetendo em seguida, com peixes apavorados no bico. Margens plácidas de um rio que inacreditavelmente sofria com a poluição até os anos 2030. Eis que um vídeo educativo foi apresentado, mostrando o Tietê de quando o Brasil ainda era um país subdesenvolvido: Rio espumante e malcheiroso, sendo que o odor era sentido através da nova tecnologia de TV(s) interativas, onde o telespectador recebia um capacete de realidade virtual bastante fidedigno, como se estivesse realmente presente na cena exibida.

Ao fim do vídeo, o alívio dos que queriam continuar contemplar as belezas de uma cidade progressista em harmonia com o meio ambiente. Ônibus e veículos híbridos passavam pela Marginal Tietê, em um trânsito intenso, mas organizado e seguro. Um grupo de sambistas denominados "Capetas da Neblina" cantava músicas de um outro grupo tradicional de samba do século anterior, enquanto a TV transmitia a final da Copa de 2070, no México. O Brasil vencia fácil a Itália por quatro a um, numa apresentação impecável. Triiiiii! - apitou o árbitro - Brasil Hexacampeão!

Triiiii! Tocou o despertador do aparelho celular de Clarindo, que acordou de um sono bom, e ao mesmo tempo, decepcionante. Aos quarenta e cinco anos e desempregado, percebeu que só testemunhará a prosperidade do seu país quando for um octogenário, (isso se estiver vivo, até lá). Sentiu-se reconfortado ao saber que pelo menos seus filhos e netos viverão em um país melhor, ainda que isso ocorra em um futuro distante...

* O Eldoradense