Réquiem para minha morte

Morte: quais e quantos não ouvem essa palavra diariamente e fingem ser surdos? Aliás, não só ouvem a palavra morte, mas participam efetivamente de alguma morte. Ou o leitor nunca foi despedir de um ente querido? Porém, funestamente, para a dona do lar e mãe de todos, quanto mais o ouvinte se faz de surdo, mais a atrevida morte reverbera-lhe nos tímpanos. Morte! Aliás, ao contrário, quem é surda é a morte e quanto mais o falível afugenta-a, berra o "deixa-me em paz", mais ela aproxima. Em silêncio ela diz: "você endivida-se com todos, caloteia o mundo, mas sua dívida maior de vida é comigo".

Cosmopolita e viajante inveterada, ela caminha ao seu, ao meu, ao nosso lado. Sim, é a minha sombra invisível e claro, sua também. Sei...; você tenta engambelá-la, cobrindo a cabeça com um véu preto e como não bastasse, usa diariamente um guarda chuva, mas e sórdida morte, como leis em país sérios e cumpridores, procura o bandido infeliz.

Para morrer basta estar vivo. Oh, quanta sabedoria de quem disse isso pela primeira vez; e fazendo valer o tedioso aforismo que tornou-se apanágio popular, morre o gato, morre o elefante, morre o infante, morre o rato, morre o rei da selva, morre o rinoceronte, morre o pernilongo, morre a esposa, morre a lesma, morre o filho, morre a tartaruga, morre a mariposa, morre a preguiça (bicho), morre o urubu, morre lobisomem, morre o verme, morre o cão, morre o homem. Com o sem choro, papagaio, extrema unção e velas, morrem-se. Consumido pelo beleléu em vez de sorte, descem em direção aos quintos. Assim atua a inesperada morte.

Foi refletindo sobre essa desonesta, humana e desaforada que resolvi decretar meu fim. Não gostaria e não quero ter surpresas indesejadas quando ela de fato vier. Portanto, acho por bem morrer por uns minutos, por umas horas, por um dia.

Mas por favor leitor, não tente matar seu coração, pelo menos por hoje, não. Se cada segundo dos 365 dias de 2017 foi de morte para os seus pulmões, renove suas atitudes, pensamentos, hábitos e ponha seu exército corajosamente no campo de batalha, quem sabe, Deus queira que 2018 seja de vida!! Votos de quem não viu graça nenhuma em morrer por um dia. Deleita-se mesmo é em viver. Coragem e boa sorte!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 16/12/2017
Reeditado em 17/12/2017
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