O teatro

A cortina ainda fechada, mas os atores já estavam posicionados, o espetáculo iria começar em breve.

Nestas horas antecedentes a peça comumente os atores repassam brevemente as falas iniciais em suas mentes, e com o ator fantasiado de "executivo engravatado" por habito o mesmo ocorreu, porem para seu desespero ele havia esquecido algumas das linhas. Concentrou-se e foi pior, esqueceu falas que há segundos passados ainda retinha em mente. Por fim não se lembrava de nenhuma fala, tinham ainda uma leve lembrança de quem era seu personagem o "executivo engravatado" era na verdade um agiota que deveria cobrar a "senhora de cadeira de rodas".

Era uma situação caótica, a cortina ainda fechada, do outro lado o teatro lotado e todos os atores concentrados já para iniciar a peça, mas logo ele o "executivo engravatado" estava completamente desligado de todo o contexto da historia, nenhuma única frase vinha-lhe a mente e agora já não lembrava se o seu personagem era mesmo um agiota... Ele parecia ter se tornado um filantropo, a "senhora de cadeira de rodas" era a dona da creche, ou seria ela despejada do apartamento cujo dono era ele mesmo, não um filantropo mas um agiota?

Desesperado fez um sinal par um dos outros atores que estavam no palco como ele a espera das cortinas se abrirem. "O rapaz de boné azul" parecia ter entendido o recado e moveu os lábios como quem deseja transmitir um recado, foi em vão, o "executivo engravatado" não compreendeu nenhuma frase. O "executivo engravatado" tentou novamente mas o mesmo se repetiu e a angustia se ampliou, a peça estava para começar.

Havia ainda o problema dos braços dormentes pois todos os atores estavam em uma posição inicial planejada, no entanto o "executivo engravatado" já não recordava o porque dos braços para o alto.Como já não se lembrava das falas e da historia da peçam achou que ao menos poderia descansar os braços um pouco e pousou as mãos na cintura e depois nos bolsos, um alivio!

Breve alivio, foi repreendido pelos outros atores que esperavam feito estatuas o inicio do espetáculo, os olhares de reprovação aconteceram em uníssono, o "executivo engravatado" levantou os braços aflito com toda a situação.

Tentou se lembrar de como tinha ido parar ali, dos ensaios, das aulas, de quem eram os outros atores mas essas memórias pareciam escapar-lhe no momento em que tentava acessá-las, estouravam como frágeis bolhas de sabão. A cortina em breve se abriria, seria o fim para ele e um fracasso para todos ali.

A pressão daqueles momentos que não pareciam ter fim foram conduzindo o "executivo engravatado" para um estouro de desespero, ele já não se importava em atrapalhar um pouco a ordem das coisas ali e vencendo grande barreira psicológica perguntou em voz abafada:

-Por favor alguém me passe minha primeira fala!

Todos ignoraram e mantinham suas posições, todos pareciam muito seguros de suas próprias falas e ações, era problema dele lembrar ou tentar improvisar em um ato de desespero, isso apenas mostraria sua inferioridade como ator.

-Alguém me ajude, não me lembro...

Este "não me lembro" de seu apelo engendrou um poder muito maior que o inicial, afinal o "executivo engravatado" não se lembrava das falas, mas depois constatara que não se lembrava dos acontecimentos que o levaram a vivenciar aquele eterno presente... Eterno presente!...Desde quando esperava a cortina abrir?

Tomou muita coragem e deixou a posição inicial, sentia o coração palpitando a uma velocidade alucinante e a respiração curta, parecia que ia desmaiar. Um voz autoritária soou da escuridão que vinha do alto atrás do palco onde estavam:

-Atenção a qualquer momento a cortina ira se abrir, aguardem!

Ao ouvir esta frase, olhou ao redor e todos os atores estavam com a atenção redobrada, imóveis como estatuas repassando em suas mentes as frases de seus personagens centenas de vezes.

Respirou fundo e encarando suas debilidades, foi em direção a cortina, afastou o pesado pano e passou para o lado da sala do teatro deixando para trás o palco. A sala estava vazia, as cadeiras estavam vazias. Continuou caminhando entre as fileiras de cadeiras em direção a rua iluminada, antes de sair da lúgubre construção ainda ouviu pela ultima vez a voz vir do outro lado da cortina fechada:

-Atenção a qualquer momento a cortina ira se abrir, não deixem seus postos!

Jose de Assis Carvalho
Enviado por Jose de Assis Carvalho em 18/02/2018
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