Plágio (1/2)

Sentado no corredor frio e silencioso do tribunal, eu me senti o mais solitário dos homens nesse mundo. A ansiedade pela espera da sentença me deixa tão angustiado que o advogado sugeriu que eu saísse para espairecer.

Seguindo o conselho dele, sentei-me em um banco de madeira bem trabalhada, colada à porta da saída do tribunal.

Para ajudar a passar o tempo fiquei relembrando cada detalhe que me levou até ali.

O dia em que o correio entregou o exemplar na minha casa. Todos nós comemoramos. Que maravilha. Depois de tantos anos de trabalho, pesquisas, sacrifícios. As revisões, as discussão, as recusas e pedidos de modificações... nossa. Nem acreditei quando retirei aquela brochura da caixa e apertei-a em minhas mãos. Em princípio estranhei a capa. Não foi a combinada. Mesmo assim a alegria não diminuiu. “É só um detalhe”. Pensei.

Minha esposa e filhos rodeavam, e compartilhavam a minha alegria. Meu garoto mais velho correu à cozinha para apanhar a champanhe que já tinha sido reservada para a ocasião.

Sim, a festa foi maravilhosa. Logo após virar a taça para o primeiro gole, deitei-a sobre a mesa e abri o exemplar. Eu queria ler o primeiro parágrafo em voz alta.

Porém, ao correr os olhos nas primeiras linhas achei tudo muito estranho. Aliás, a cada palavra lida a minha raiva crescia demasiadamente. A minha esposa não entendeu a mudança repentina de humor. Perguntou-me se havia alguma coisa errada. “Óbvio que havia”.

Primeiro a capa, agora o nome dos personagens. “Se tinha alguma coisa errada?” Sim, tinha, e muita coisa. Apanhei o telefone, digitei os números com a rapidez de uma datilógrafa dos anos 60. Eu estava pronto a desferir todo repertório de impropérios ao meu editor. Ora, quem deu a permissão para mudar os nomes dos personagens? Isso foi um ultraje, uma ofensa. Alguém ia ter que me explicar direitinho essas alterações. Á se iam.

Ao terceiro toque a recepcionista atende com a costumeira frase coloquial. Nem me apresentei. Diante dos olhar perplexos da família, berrei exigindo falar com o editor. A moça só me pediu um instante, já estava transferindo a ligação. Nem cogitei como ela sabia de quem se tratava. “É o identificador de chamadas, só pode.”

Ouvir a voz do editor me atendendo foi a senha para a explosão. O silêncio do outro lado da linha alimentava o meu descontrole. Eu berrava exigindo explicações, retificações, notas de desculpas, recolhimento de toda tiragem, ... “Você leu o nome do autor?” uma única frase e toda argumentação caiu por terra. Instintivamente fechei o livro e olhei a capa. Meu sangue gelou.

Aliás, agora estou com a boca seca. Onde estará o bebedouro? Levanto-me devagar, tento caminhar pelo corredor bem iluminado. Nas paredes pinturas de personalidades. “Obviamente famosos juristas.” O lugar é bonito e bem asseado. Não dá para negar. Mas a inexistência de seres humanos torna tudo muito solitário. Parece que as coisas são criadas para você não esquecer do porquê estar ali.

De quem diabos era aquele nome? O que significava tudo aquilo? As minhas pernas fraquejaram. Minha esposa me ajudou a sentar. Não podia acreditar. Fui plagiado. Fiquei branco como cera.

“Só me diz uma coisa: foi você mesmo quem escreveu esse romance?” Essa pergunta soou como uma acusação. Era quase uma pena de morte. Ora, então ele esqueceu de todo nosso trabalho, dos meses em que partilhamos ideias, dos rascunhos, todo material de pesquisa? Juntos, fizemos infindáveis revisões. Como ele pôde me perguntar uma coisa dessas?

“Será que algum dos seus betas...”. Ele tentou suavizar. Quanto a isso não podia responder. Apesar da plena confiança nas pessoas que enviei o manuscrito, nesse momento, não ousaria asseverar a integridade de caráter de cada um. “Quem seria capaz de uma traição dessas?”

M P Cândido
Enviado por M P Cândido em 27/08/2018
Código do texto: T6431752
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