Plágio (2/2)

É, foi um dia em que desci do céu ao inferno em questão de segundos.

Estou confuso, uma mistura de vergonha e ódio. Como pude ser tão ingênuo?

“O veredito deve demorar algumas horas?” Meu advogado vem atrás de mim para avisar. Então é isso. O trabalho de alguns meses será decidido pela batida de martelo de um velhote de toga. No fim, será uma questão de datas. A maldita data do registro nacional.

Enquanto o advogado me prepara para qualquer resultado a porta do banheiro é aberta. Não foi a primeira vez que nos vimos, não é?

Depois que eu descobri seu e-mail, começamos a nos corresponder. Em princípio você foi gentil, respondia formalmente, pensava que eu era um fã. A raiva me consumia. Confesso que me aproximei com um ardil engendrado na cabeça. Queria descobrir como você teve acesso a minha história antes de ser publicada.

Quando você soube das minhas intenções entrou com um processo contra mim. De vítima, virei réu. Como esse mundo dá voltas.

Olhos nos olhos. É um momento constrangedor. Não há muito a fazer. Apenas nos limitamos a desviar o olhar e ignorar a presença um do outro.

Saí para comer alguma coisa. Nem percebi que passei a manhã toda naquele tribunal. Encontrei a minha esposa do lado de fora. “Já acabou?” Coitada. Está tão aflita quanto eu. Afinal esses julgamentos são muito desgastantes. O pior de tudo: sou inocente. “Aqui todo mundo é inocente doutor.” Não sei porque a frase do filme Carandiru vem à cabeça.

No restaurante nem pude aproveitar a comida, apesar de ser meu prato predileto. Minha esposa pediu encarecidamente para dar um fim a tudo. Gastamos todas as nossas economias. “E todas as esperanças.” Ninguém entenderia. É muito mais do que um processo judiciário. É toda minha credibilidade, toda minha honra, toda minha vida. Meu Deus, como eu me esforcei, como me entreguei àquela obra. E agora isso, uma pessoa, que eu nunca vi na vida, me toma a oportunidade que me tiraria do anonimato, quem sabe até mudar de vida...

Eu sei, eu sei. Estou devaneando. Está certo, uma batalha por vez. Primeiro, vamos ver o que a justiça determina, depois tomaremos as decisões. Também já estou cansado dessas ações de reconciliações.

“Então, cá estamos eu e você, não é? Por que não desiste logo, confessa que roubou o romance e correu a publicá-lo?” “Não responda nada. Deixe que os juízes resolvam!” Malditos advogados. Tenho certeza de que se não fossem esses déspotas, tudo já estaria resolvido. Sem acordos, sem conclusões, sem sentenças. A coisa se arrastou e paramos num tribunal.

Ambos apresentamos as provas. Ambos tínhamos razões. Apesar das datas divergentes, ambos comprovamos com e-mails, contatos, discussões e resoluções que nunca houve má fé. Nenhum dos detetives contratados chegou a comprovar o plágio de ambas as partes. Pela primeira vez na história da Literatura, dois autores escreveram o mesmo texto, com personagens e situações análogas, de lugares diferentes. Parece que o princípio da física quântica é aplicável aqui: uma ideia pode ocupar dois lugares ao mesmo tempo, no espaço.

Trazendo para um linguajar popular: duas mães tiveram o mesmo filho.

A proposta de compartilhar a autoria me pareceu bastante razoável, mas a arrogância e altercações destruíram qualquer possibilidade de algo em comum entre nós.

Como a única prova existencial era o registro do texto, não houve jeito, senão dar ganho de causa a você. Espero que esteja feliz. Quanto a mim, resignei-me de ter qualquer queixa apagada.

“Meu amor, você pode escrever outro romance.” Não sei se estarei preparado para viver tudo de novo.

M P Cândido
Enviado por M P Cândido em 27/08/2018
Código do texto: T6431756
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