*Palavra de cigana...

Palavra de cigana

Eu me deslocava pelo Calçadão da rua Simplício Mendes, entre as ruas Álvaro Mendes e Coelho Rodrigues, lá na minha querida Teresina. De longe, avistei umas ciganas que, há tempos, haviam montado um ponto de atendimento ao público, debaixo da marquise de uma loja. Como a vida não está fácil para ninguém, elas pegam os clientes ou consulentes à unha, ali mesmo, no meio da rua, sem nenhuma cerimônia, com atendimento em pé, encostados à parede.

Eu já tinha observado aquelas esquisitices outras vezes e não era, propriamente, um fato inusitado.

De outra vez, aqui em Aracaju, na praia de Atalaia, eu já havia pagado para que duas ciganas lessem as minhas mãos e as de Vera Rute. Foram momentos de pura descontração, em que eu pude dar boas risadas, embalado por todas aquelas subjetividades sem pé nem cabeça.

Agora, eis que surge, novamente, o desejo de fazer uma consulta, dessa vez a céu aberto. O único problema era que eu não dispunha de muito tempo, pois três amigos estavam me esperando para um almoço de negócios, ao meio dia, e já estava quase queimando o horário. Mas como brasileiro não se adianta em nada, resolvi arriscar.

Qual o perfil das pessoas que buscam esse tipo de atendimento? O senso comum mediano sabe que são pessoas em crise psicológica ou gente de credulidade vacilante. Para quem está se afogando, qualquer coisa que flutue lhe serve de boia. São pessoas desamparadas sentimentalmente, fragilizadas por desconforto espiritual, e que buscam, a todo custo, pelo menos uma palavra de ânimo que lhe sirva de mola propulsora até que venha um novo baque.

Obviamente, não era aquele o meu caso. Rico, bonito, olhos verde esmeralda, magnetizadores, com ascendência austríaca, cercado de amigos agradabilíssimos, dando chutes no azar, com carro de luxo zerinho à minha espera na concessionária há anos e sem nunca ter importunado Santa Edwiges, não seria uma cigana qualquer, de meio de rua, que iria me dar mais combustível de prazer ou brecar minhas alegrias.

Ainda assim, já me preparando para uma possível esperteza, saquei da carteira uma cédula de valor compatível e, me aproximando dela, disse-lhe:

– Toma aqui! Agora seja rápida e leia minha mão só nas partes imediatas e sem embromação, pois estou sem tempo.

A mulher pegou o dinheiro, colocou-o dentro do sutiã e, antes que ela pronunciasse a primeira bobagem, saquei o celular para registrar aquele momento tão importante em minha vida, quando ela reagiu bruscamente:

– Não! Não pode tirar foto minha, meu marido é muito ciumento. Se ele vir isso, me mata!

– E daí? Minha mulher também é por demais ciumenta e, nem por isso, eu vou morrer. Pelo menos, é o que eu espero!

– Outra coisa, gajão, eu não sou trambiqueira não, senhor. Se eu não acertar, devolvo seu dinheiro.

Claro que aquilo não passava de mais um golpe para me impressionar. Quem, de sã consciência, poderá afirmar que tem poderes para prever um futuro imediato? Até os meteorologistas, que vivem cercados de equipamentos eletrônicos erram. Aquilo era conversa para boi dormir! Eu sabia que nunca mais veria aquele dinheiro...

Ela, então, começou a dizer coisas superficiais, abstratas, distante de qualquer fundamento elementar. Coisas que, provavelmente, aconteceriam num futuro remoto. Para quem já está fazendo o caminho de retorno, de que vale saber que ficará milionário, sabendo do tempo exíguo que lhe resta para gastar tanta grana? Dizer que vai lhe aparecer uma loira, morena ou ruiva lindíssima, para quem o motor já está engasgando na primeira marcha? Isso é tormento desnecessário e fútil.

– Pare! Quero saber da mulher com quem irei me encontrar logo mais.

Era sobre minha caríssima amiga, Lena Lustosa. Mulher inteligentíssima,

escritora, poetisa, juíza de Direito. Ela é uma dessas pessoas em que, se botando nela os olhos, apaixona-se. Essa moça tem uma família linda e de lambuja, ainda veio ao mundo vestida e revestida de generosidade.

Citei seu nome para tirar da cigana qualquer salvo-conduto sobre o assunto. Ela poderia falar um monte e só sairiam heresias, não acertaria uma frase.

–“Deixover” aqui... –disse-me ela – Ela está bastante enrolada. Ela não vai a esse encontro e, se for, chegará atrasada. E tem mais, você não tem a menor chance! – completou a charlatã.

Neste exato momento, meu celular tocou. Era a dita cuja supracitada.

– Oi, Lena! Diga lá, cadê você?

– Oi Moza, tudo bem ai? Rapaz, avise o pessoal que estou toda enrolada,

mais atrasada que pagamento de Prefeitura. Mas chegarei lá daqui a pouco. Minha sandália quebrou o salto e estou entrando neste momento numa loja pra comprar outro sapato...

Verdade que têm coisas que só acontecem comigo, mas cigana acertando

na bucha e comprovando no ato, com certificado de garantia, é algo fora de qualquer probabilidade. Logo comigo, que sou vacinado contra adivinhos.

Como já estava pago, agradeci e vazei.

Eu vivi e conto.

São coisas de minha terra.