FOLHAS SECAS (conto)

   Bento observava as folhas secas sendo levadas pelo vento naquela rua com pouco movimento de veículos, algumas pessoas por alí passavam e umas poucas deixavam moedas ou notas de pouco valor em seu chapéu no chão depositado. Nesse dia ele tirara alguns minutos para pensar e imaginar como seria sua vida se assim não estivesse, ou seja, jogado ao relento como um trapo ou um objeto que não mais servisse, se comparou àquelas folhas sendo carregadas ao sabor do vento, rolando para não se sabe onde. Assim era sua vida, não tinha compromisso com nada e nem hora para se alimentar, dormia em um velho colchão embaixo de um viaduto ali próximo, dependia de migalhas para continuar sobrevivendo, Deus sabe até quando. As roupas sujas e rasgadas demonstravam o estado de abandono em que se encontrava, não via a família há anos e nem sabia se ainda eram vivos, pois pararam de lhe procurar e dar conselhos que nunca aceitou. Para ele não fazia mais sentido, preferia assim permanecer, pensou muitas vezes em morrer, achou mais conveniente deixar o corpo sofrer, a sua existência era como aquelas folhas secas que de nada mais serviam, já foram verdes e vistosas, fizeram a sua parte, agora são imprestáveis, não têm nenhuma serventia, o vento se encarregou de derrubá-las e levá-las para bem longe.

   Num momento de reflexão pensou:

- Não sei onde estava com a cabeça quando perdi a mulher que mais amava, que me dava bastante carinho.

   Realmente, seu pensamento foi reflexivo, imaginou sua vida de outra forma, trabalhando, ao lado dos filhos, já bem crescidos na época em que sumiu de casa e abandonou o emprego. Não pensou neles e nem na esposa, estava obsecado pelo prazer do álcool, era o seu passatempo, passava horas no bar sorvendo a bebida que mais gostava, a cachaça, além de alguns goles de cerveja, seu mundo era esse, embriagar-se e achar que outra forma de viver não existia. Tinha vários "amigos" que desapareceram quando o viram em profunda depressão e jogado nas calçadas.

   Bento adormeceu ali mesmo, naquela calçada suja, na sombra de uma árvore, não viu mais nada, nem as folhas secas que bailavam ao sabor do vento, agora já bem quente com o calor do sol, davam a impressão de estarem se apresentando para ele, como a mostrarem que, mesmo sendo inúteis, desprovidas de beleza, participavam de um "espetáculo" patrocinado pelo vento, como a mostrarem também que mesmo tendo cumprido o seu ciclo ainda serviam para alguma coisa.

   O sol já estava fraco quando o nosso personagem despertou, estava ainda com sono, dormira bastante pelo jeito, o sono talvez tenha lhe ajudado a pensar melhor, afinal ainda podia se locomover, tinha consciência da realidade e mesmo nessa situação poderia perfeitamente tentar uma mudança de costumes, poderia pensar na família, tentar encontrá-la, sentir o calor humano. Nesse momento Bento levantou-se e viu ainda algumas folhas secas no chão, não ventava mais, elas estavam alí paradas como ele, precisavam que alguém as recolhesse e as colocasse em lugar próprio. Bento também queria que fosse assim com ele, que alguém o recolhesse e o levasse para algum lugar onde se sentisse como gente. Precisava de um bom banho e de roupas novas, precisava ver alguém que o enxergasse como um ser humano e não como um lixo de calçada.

   Duas mãos macias acariciaram o rosto enegrecido de Bento, estava sujo de poeira, mas essas mãos não tiveram repulsa, seguraram fortemente o seu rosto e uma voz por demais conhecida lhe falou:

- Vamos para casa, você pode, você quer.

   Ele reconheceu prontamente a voz, era aquela mulher que ele desprezara, que passou um bom tempo sem vê-la. Bento sorriu agradecido, ele pensou muitas vezes nesse momento, almejava isso acontecer antes de sua morte e agora via esse sonho começando a se realizar.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 07/02/2019
Reeditado em 11/05/2021
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