Desespero, Esperança e Confiança.

Houve um dia em que ela levantou mais cedo que o normal. Alguma coisa parecia diferente dos últimos 10 anos, mas não sabia dizer ao certo o quê.

O mundo havia mudado, decerto. Mas em uma noite? Era realmente possível que isso tivesse acontecido enquanto dormia?

Era a nova era da qual tanto falavam?

Sacudiu a cabeça, espantando aqueles pensamentos. Mais parecia uma de suas loucuras, imaginação da sua mente fértil ou, talvez, aquela tal de Esperança.

Esperança era uma voz baixinha que morava na sua cabeça. Ela gostava de ficar falando coisas boas no seu ouvido, quando se sentia mal ou cansada demais para acreditar que aguentaria mais um dia.

Mesmo que não conversassem muito, haviam se tornado grandes amigas, mas Esperança tinha sumido já havia alguns meses, então parecia estranho tê-la sussurrando que aquele dia seria diferente. Que as coisas finalmente mudariam.

Poderia ser o tal Desespero? Ele, que começou a conversar com ela muito tempo antes de Esperança ir embora, e, por mais que lhe falasse coisas absurdas, era difícil dar mais atenção para Esperança do que para ele. Afinal, Desespero era do tipo que gostava de gritar, falava alto demais.

Até se sentiu um pouco culpada quando tudo ficou silencioso e não conseguiu mais ouvir aquela voz baixinha, mas Desespero aparecia e consumia demais o seu tempo para conseguir pensar bem nisso.

Uma vez, ouviu alguém dizer que a Esperança é a última que morre e vinha se questionando se era verdade. Desespero parecia muito mais vivo. Mas, talvez, Esperança estivesse cansada de não ser ouvida e tivesse somente ido embora e desistido dela.

Ainda assim, a voz dizendo que as coisas haviam mudado continuava ali, repetindo insistentemente que aquele dia não seria como os outros.

Começava a ter certeza que não era Desespero. Ele com toda a certeza já estaria fazendo escândalos por estar sendo ignorado.

Entretanto, a voz parecia forte demais para ser Esperança.

Quem tentaria tomar a sua mente naquela hora da manhã?

Escutava-a rir, se divertindo com sua confusão. Era uma voz melódica, a qual tinha certeza que poderia escutar pelo resto de sua existência e não se sentiria cansada.

Logo mais ela começou a lhe explicar que seu nome era Intuição, mas que não adiantava procurar uma explicação para as coisas que ela lhe dizia, pois ela simplesmente sabia. E que, se quisesse trazer Esperança de volta, teria que confiar nela e parar de dar tanta atenção a Desespero.

Ela concordou. Sentia saudades demais de Esperança e sua cabeça doía dos gritos que Desespero dava em seus ouvidos. Nunca gostou de gente muito agitada.

No começo foi bem difícil, mas ela se manteve firme em ouvir e confiar em Intuição. Era uma voz bonita demais para ser silenciada, então ignorou Desespero com todas as suas forças, enquanto ele gritava cada vez mais alto.

Intuição disse que ela devia propor um acordo a Desespero, já que estava sendo tão difícil ignorá-lo.

Ela confiou em Intuição e conversou com Desespero. Disse-lhe que o deixaria vir e lhe daria total atenção, mas que ele precisava dar um tempo para ela às vezes.

Ele ficou visivelmente contrariado, mas depois de um pouco de insistência concordou.

Foi muito estranho na primeira vez em que ele deu algum descanso. Tudo pareceu tão calmo e ficou emocionada ao ouvir Esperança conversando baixinho e explicando que não tinha desistindo dela, apenas tinha ido pedir a ajuda de Intuição.

A cada encontro, Esperança parecia mais forte. Foi se tornando mais audível devagarzinho.

No começo, Desespero só lhe dava uma folga ao mês, mas aos poucos conseguiu convencê-lo a dar um tempo com mais frequência, enquanto ia aproveitando um tempo com Esperança. E Intuição estava sempre ali, lhe acompanhando.

Logo conheceu Alegria, ela lhe contava ótimas piadas quando aparecia, mas às vezes, quando alguém lhe falava algo ruim, Alegria começava a chorar e mudava para uma personalidade chamada Tristeza.

Essa sua outra personalidade não era de todo ruim para quem já tinha se acostumado a ouvir gritos, pois Tristeza era calma.

Quando mal percebeu, as coisas realmente tinham mudado naquele dia em que Intuição apareceu. Estava certa em confiar nela e dar espaço para conhecer os outros, até mesmo uma tal de Felicidade, na qual nunca tinha reparado muito bem.

Felicidade era muito tímida e só falava quando todos estavam reunidos, era serena e parecia uma mãe.

Tudo isso a deixou satisfeita. Confiar em Intuição havia sido a melhor decisão da sua vida, principalmente naquele processo vagaroso, e agora estava cheia de amigos.

Quanto a Desespero? Ele ainda aparece de vez em quando e manda quase todo mundo embora, enquanto ela lhe dá toda sua atenção.

Mas é só uma vez ao mês.

E ela sabe, enquanto segura a mão de Esperança, que no dia seguinte todo mundo ainda estará presente. Principalmente Intuição e sua amiga, Confiança.