A garota afogada

Caminhei até enjoar por esse parque triste, escondendo minhas lagrimas de vergonha.

Vendo os pássaros voarem tristes para a montanha da sombra, a neve cai lentamente e agonizante, eu não consigo ficar quieto.

Minhas mãos doem de frio, mas ficar em casa e ver as tristes sombras dançarem na parede, é muito pior. Eu me sinto sangrando por dentro, mas não morro.

Eu não tenho mais vontade para nada, mesmo assim aqui estou andando em um parque congelado, contemplando o gelo e falando com ele, pois ele parece frio e triste como eu.

Não venho aqui no verão, pois há muitas pessoas, gosto do inverno calmo, solitário e frio. É onde posso ver os lobos bancos, eles parecem me olhar com dúvidas.

Eles nunca me atacam, parecem querem disser algo para mim, algo que infelizmente não posso entender.

O som do meu pisar na nave é tão bom, e o vento frio que passa pelo meu rosto triste, também é bom.

Meus poucos amigos disseram para eu me mudar, para sair desse lugar que acho magico, eu não tenho vontade...

Gosto e respeitos todos eles, sei que eles me amam, mas aqui quero ficar, com meu parque congelado, onde no meio do frio existe um lago que não congela.

E ali é meu lugar preferido, mesmo com todo esse frio eu quero estar aqui, e ficar olhando o enorme lago que nunca congela e sua linda superfície.

Doente devo estar, para gostar de coisas tão tristes e solitárias, mas não se preocupem comigo, eu estou onde deveria estar, para o bem ou para o mal.

Sentado em meu solitário banco, com meus olhos que não tem mais vontade de olhar para frente, e meus horríveis ombros caídos.

Com um agitar leve na superfície do lado, minha companheira começa a se levantar, toda cuidadosa para esvaziar seus pulmões de agua.

Entendo que o lago seja lindo e maravilhoso, mas ter os pulmões cheios deles é um tormento eterno, e assim minha noite triste e solitária ganha uma companheira excelente, caminhando bem devagar ela vem.

Pois entendo que sair do fundo do lago todas noites é um tormento, mas ela quer conversar comigo, e eu preciso muito conversar com ela, pois ela entende o que se passa em meu coração, e por isso fico eternamente grato.

Com suas roupas molhadas ela vem, completar o triste vazio que me habita, o maldito vazio que me prende no escuro com sombras aterrorizantes.

Mas com ela, com seu vestido dos anos 20, eu me sinto em paz, sem medo, sem angustia, sem raiva, apenas calma.

Por isso não posso ir embora, e também por que eu não quero deixa lá sozinha quando ela se levantar de seu frio e escuro lago.

Pareço um louco eu sei, mas quem não ficaria louco nessa imensidão de tristeza e solidão?

Aqui estamos juntos, eu o homem pálido com olhos de defunto e ela com cara de quem já morreu, mas ainda anda por aí, é assim minhas noites nesse parque congelado.

Ela dança na agua, com lindos movimentos, seus olhos mortos se encontram com os meus olhos mortos, tudo é lindo para mim.

Seus lindos cabelos castanhos claros, apesar de molhados são lindos, os delicados movimentos de seus braços mortos, como estou feliz em poder ver lá, ela me vê chorar e não ri na minha pálida cara.

Seus abraços são frios e molhados, mas eu me sinto quente e querido, seu perfume se mistura ao cheiro do lago, em seus pés plantas marinas estão presas.

Minhas mãos ossudas estão tremendo, minha roupa é velha e veia, e tenho vergonha de encala lá. Mas ela faz tudo ficar bem, até a horrível dor que sinto no coração some quando ela conversa comigo, eu a amo, mas não tenho coragem de disser...

De todas estrelas no céu, a que mais gosto é aquela que se levanta do fundo do escuro lago sem saber por que, mas ela sorri para mim.

Tudo aqui é lindo para mim, eu e a garota afogada, pois acho que sua morte foi tão cruel que ela não se lembra de seu nome, mas imagino que seja um nome lindo, para uma garota linda.

O bem que ela me faz, estou muito feliz esta noite, minha coluna torta se ergue para eu admirar a Lua, e o lindo sorriso pálido dela, seus olhos sem vida me cativam e me sinto normal, como vocês.

Ela dança e canta com uma voz que parece vir de muito longe, eu como um adolescente bobo acho tudo lindo, ela se afasta para o meio do lago, rindo ela está como uma criança sem maldade.

Parado como uma estátua inútil estou vendo ela ir embora mais uma vez, como isso me machuca, eu desejo ficar com ela para sempre. E assim pela primeira vez em muito tempo eu abri a boca e gritei: “ não vá por favor”.

Então como em um sonho de cadáver ela se virou para mim e disse que eu podia ir com ela, meus olhos tristes se encheram de lagrimas e o velho coração bateu mais uma vez.

Meu corpo magro e pálido está entrando no frio e escuro lago, sinto que não estou sangrando por dentro, a agua vai subindo lentamente, mas ela está aí para me ajudar eu não tenho mais medo.

A agua fria com gosto de barro entra em minha boca, mas eu não paro, sei que ela estará logo ali para me abraçar, e agora eu tenho coragem para disser que a amo isso é tudo.

A fria agua cobre meus tristes olhos e nada mais posso ver, meus pulmões doentes estão cheios de agua, e sinto que a vida vai se indo para longe, logo ali bem no fundo escuro e triste do lago, ela está me esperando com seu lindo sorriso pálido.

E agora seremos felizes e afogados, duas pessoas sem graça para a maioria, mas aqui estamos bem e felizes sem suas opiniões maldosas.

Cristiano Siqueira 16/01/20

cristiano siqueira
Enviado por cristiano siqueira em 18/01/2020
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