O Homem casca

Pelas constantes desilusões da vida e o temor da solidão, Darlene

se convenceu que a indiferença e olhar perdido de Gerúndio era

uma aura de mistério, se permitiu mergulhar numa relação casual, sem

grandes emoções. Ele a pediu em casamento por achar que era isto que

se faziam os rapazes da sua idade, seguiu imitando tudo sem questionar,

alheio aos porquês.

Anos mais tarde quando Darlene o deixou, ele não chorou, fez o que

viu fazer os homens na mesma condição, pediu que ficasse sem saber

por quê deveria.

“Você é oco” dizia Darlene, “é frio e não sente nada”.

Gerúndio sofreu por não sofrer, queria amá-la, queria expressar sentimento mas não os tinha, seu pedido de reconciliação soou falso e ela

partiu ainda ofendida.

Movido apenas por gesto que viu em um surto no cinema, para demonstrar que sentia sim a perda da mulher, num movimento robótico

de indignação, lançou o punho contra a parede sucessivamente e no

terceiro murro, sua mão quebrou-se, espalhando cacos pelo chão.

Não sangrou, apenas os fragmentos miúdos do que fora seu dedos caídos aos pés da parede, olhou a ponta do braço pulso agora era

um cano oco, não havia veias, ossos ou mesmo carne. Onde estivera

sua mão agora era a entrada de uma tubulação escura, que dava para

dentro de seu corpo. Começou a forçar as bordas e a estrutura foi se

rompendo aos poucos, sem dor ou medo, o chão já repleto de pedaços

da cor de sua pele. Chegou ao ombro, nada que atestasse vitalidade, só

a embalagem vazia como a pele abandonada por uma cigarra, nem um

fluído, apenas a estrutura repleta de escuridão.

Por fim, Gerúndio compreendeu que ele era somente uma casca

Frank Neres
Enviado por Frank Neres em 23/10/2020
Reeditado em 24/10/2020
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