A concha gigante

Pois então me vi e soube intimamente confluindo meus pensamentos que tinha feito. Tinha conseguido fazer. Foi derradeiro e rápido. Muito mais rápido do que eu um dia temi que não o fosse. Mas como ia te dizendo, Me vi, e continuava me vendo. Agora eu controlava todos os ângulos. Podia me ver de qualquer jeito. Sentir ate onde meu cheiro alcançava mesmo que fosse apenas um trisco de odor. Acre. Como me tornei acre. E brincava de encarar meu rosto pela frente. Repetia grunhidos só para ver minha boca mexendo e insinuar a sensação de estar sendo imitado. Completamente criança. Eu estava de branco. Um branco meio queimado de sol. Um lençol amarelado de banho de luz. Eu estava assim. Sem calçado num mundo todo plano, luminoso em cores chapadas. Você olhava e tudo parecia uma parede lisa bem na sua frente, bem encostada em você. Então você tentava toca-la e nunca conseguia e enquanto ia tentando se percebia andando e depois correndo e correndo e jamais conseguia alcançá-la. Quando parava, ela ainda parecia estar bem ali, um palmo de ilusão. Tu acabava pensando em coisas como sangue e morte e família e as funções que você fazia. E algo novo te clareava e você não entendia, mas esse algo confortava você ao estado de te deixar latejando para tudo que vinha, pois você acabava forçando muito pra um monte de coisas virem, tudo que espocava essa coisinha dizimava e comia os farelos como um Pac-Man sozinho e em paz. Tudo parecia meio Bege e meio bordô e você ia andando com os dois braços esticados sem entender direito seus movimentos. E sentia suas palmas quentes como se segurasse a mão de alguém. Se sentia meio paranoico. Olhava pra um lado e pro outro e continuava com os braços e as mãos daquele exato jeito. Ouvia uma gargalhada distante. Uma gargalhada em pura alegria.

Então se deparava com uma concha gigante. Um arranha-céu de concha. Sentia as mãos livres e os braços despreocupados. Então entrava na caverna da concha. O solo, era grama, estava pisando em grama e só podia ser. Era muito escuro e não havia medo algum. A cobrinha continuava se entortando e comendo e sorrindo. Ia se avançado e se sentia outra presença no escuro. Sentia-se o vento de outra movimentação. Então se recebia uma pressão nos lábios. Um beijo forte. Se relacionavam as línguas. Tateava e encontrava e se repousava em uma cintura. Aquilo se afastava, sorria um holofote de dentes, vinha ao pé do ouvido, chupava o lóbulo e em voz de menina, de menina e não de mulher, cochichava ‘’eu acho que estarei aqui pra você sempre’’. E beijava a bochecha antes de recuar totalmente e a sensação de presença desaparecer por completo.

Se ficava atordoado. Se sentia encurvado. Algo pesando o rosto. Chegava a consciência de que tinha se transformado em um velho. Ate mesmo conseguia se ver a aparência do agora. Muito, muito velho. 100 anos. E tentava se lembrar do rosto que se era há quase agora. E tentava se lembrar do que a garota disse, e tentava-se correr pra trás e se caia dolorosamente pois as pernas não tinham quase força alguma. Não se via a luz emanada da entrada da concha. Não se via luz alguma. O corpo parecia que estava inchando. Deitado no solo daquele escuro, não parecia grama, não tinha cheiro, não se sabia mesmo o que estava acontecendo, se queria chorar, se queria chorar muito, e não era possível se desvendar. Não se passava por tristeza, ódio ou medo. Se queria chorar muito mas sabia-se que as coisas estavam bem, estava tudo bem. Então voltava-se a ser jovem. Bem meninão. Forte e bonito. E um corpo se agarrava com você no chão e te dava muitos beijos enquanto ia entrando com a mão para dentro de sua calça. E te tocava. E você sentia tesão e os beijos paravam e você conseguia observar dois olhos, dois olhos de mulher, de mulher madura agora, te encarando, te encarando com tanto desejo. E continuava, e continuava, e você sentia vindo, sentia que estava pronto pra chegar, e a mão aumentava a intensidade e seu lóbulo começou a ser chupado novamente e então você gozou e foi como abrir os olhos. Uma Explosão de tudo ao mesmo tempo. Você imediatamente esfregou os olhos e os abriu de vez. Estava em um quarto. Um cômodo minúsculo. Paredes azuis encardidas. Você estava nu debaixo de uma coberta. Tinha alguém ao seu lado. Uma mulher. Longos cabelos negros. Ela estava de costas para você. Você ergueu a coberta. Ela também estava nua. Ela tinha grandes cicatrizes por toda suas costas. Você esticou seus dedos e começou a toca-las. A mulher começou a gemer e você se assustou. Ela se virou. Era vietnamita. Ela sorria pra você. Ela olhava com olhos de carinho pra você. ‘’Por que parou?’’ - ela te disse e se meteu para debaixo da coberta, criou o volume abaixo de você, sentiu ela tocando e forçando seu quadril, sentiu o estimulo, sentiu o molhado. Lembrou o nome dela por um segundo inteiro. Depois se varreu e se zoneou. Sentiu vindo novamente, vindo e vindo; percebeu que não estavam numa cama, era apenas um colchão. Percebeu toda a luz do dia entrando pela única janela que estava completamente aberta. Percebeu um coturno e todo um uniforme ao lado do colchão na altura de sua cabeça, sentia que estava quase lá, sentiu medo e puxou a linda vietnamita pra cima e se levantou rapidamente. Seu pênis estava ereto. A vietnamita tinha olhos de desentendimento agora, e passou a limpar a saliva que escorria com as costas da mão.

-Olha, e-e-eu – Você começou a dizer.

-Que foi amor?-Ela disse.

-Eu, quem?

-Teve um daqueles sonhos de novo?

-Sonhos? Olha, DESCULPA, eu, não sei quem sou ou…

-Calma amor.

Ela se levantou. Sua ereção começou a pulsar diante da nudez frontal dela. Ela se aproximou muito de você e pressionou o abdômen contra o seu de forma que seu pênis ficou prensado em seta pra cima.

-Eu sou algum, algum soldado, qual meu nome?

-Shhh… Você vai ficar bem amor. Tudo vai ficar tão bem pra todos nós.

O corpo dela em fricção com o seu foi te empurrando pra trás sem você perceber. Ela te prensou contra a parede e começou a esfregar seu corpo apenas usando seu abdômen em movimentos suaves que subiam e desciam.

Você olhava para seu rosto e sentia tanto desejo por ela.

Em um impulso brusco, você mordeu os dentes em selvageria e puxou os cabelos dela com violência, ela soltou um pequeno grito e abriu um largo sorriso. Então você soltou os cabelos e despregou o maxilar. Mais uma vez estava muito perto, e você sentia que queria e se lembrou da concha, do escuro e de sua aparência caduca e escorregou seu corpo pro lado.

-Você está com medo? - Ela lhe perguntou com o rosto de lado e os cabelos cobrindo seus olhos.

-Olha, por favor, POR FAVOR! Me diz o que esta acontecendo aqui.

E ela não te disse nada. Movimentou os braços como num gesto de estar sentindo frio, se virou numa direção oposta a sua e deu poucos passos ate chegar a um canto, e se agachou, e começou a gemer enquanto chorava.

-Meu Deus – Você disse. - Eu não queria te fazer, é… Desculpa.

-VAI TOMAR NO CU! - Ela virou o rosto, estava todo ensanguentado.

Você petrificou

-PARA DE PEDIR DESCULPA!! ISSO TUDO E CULPA SUA!!TUDO CULPA SUA SEU DESGRAÇADO!! OLHA O QUE VOCE ME FEZ!! OLHA PRA MIM!! EU TE DEI TUDO! TUDO!! TODO O AMOR QUE EU TINHA EU TE DEI!! EU ME DEDIQUEI TANTO!! EU NAO TIVE VIDA PRA TENTAR TE VER BEM!! O LHA O QUE VOCE FEZ!! OLHA O QUE VOCE ME DEVOLVEU!! OLHAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

Alguém pulou a janela. Outra mulher. Vestida com um vestido grande. Um vestido de festa junina. O cabelo em chuquinhas. A principio não se viu o rosto. Também estava com um par de botas de chuva pretas com solado amarelo zangão.

Essa outra se aproximou da vietnamita, num movimento rápido se desvencilhou do vestido e o arremessou longe. Toda nua, de costas pra você, desnudou um corpo muito, muito desnutrido. Quase não havia quadril ou bunda. As botas jogaram um reflexo de brilho em seus olhos, você piscou e quando voltou a tona , essa outra estava descarregando a munição de uma Luger P08 encima do crânio da sua vietnamita. Um estampido atrás do outro ate acabar do tambor. Muito sangue, muito sangue pulando. Quando acabou. Essa Chiquinha se virou pra você ainda com o braço esticado e a arma apontada. Ela olhou pra você. Olhando pra ela, ela não te agradou. Havia uma monocelha, o nariz era pequeno e pontudo pra baixo, o olhar era estrábico, as maças eram chupadas, a pele se carregava de muitos furos de algum problema grave de acme, A boca era pequena e contornada por uma tonalidade amarelada que desarmonizava-se do restante das cores do rosto, os seios eram os mesmos de um menino muito novo, os bicos eram como dedos mindinhos e estavam eriçados. Ela começou a se aproximar e você sentiu que ela iria te machucar. E ela veio depressa e se ajoelhou na sua frente, apertou seu órgão e começou de novo.

Você não conseguia olhar pra baixo.

-Goza! - Ela começou a gritar. Ela tinha uma voz terrível. Fina e esganiça. - Goza filho di puta!

Então jorrou. Caiu no chão. Seu olhar periférico já havia visto mas você decidiu ver por completo. Direcionou totalmente o olhar e teve a visão dessa de criatura se rastejando de joelhos lambendo e engolindo todo o sêmen do chão.

Foi como se você tivesse desmaiado e voltado.

Abrindo a película

Todas as cores pareciam mornas

O cheiro era fresco

Um odor que te lembrava a textura de algo macio

piscou um pouco pra limpar as óticas

E percebeu uma cama de hospital em sua frente. Você estava dentro de um enquadramento fechado por cortinas. Você reparou em seu físico. Suas nádegas estavam doloridas. Você estava numa cadeira.

Esfregou os olhos novamente e olhou pra cima da cama.

Havia uma mulher dormindo.

Agulha injetada. Soro pingando.

Avental cirúrgico, cobertor de tecido fino, Longos cabelos negros esparramados.

Percebeu.

Se aproximou pra ver o rosto.

Não era a vietnamita.

A mulher tinha uma tonalidade bem branquinha.

Você nem percebeu mas ficou quase dez minutos diretos olhando o rosto dela.

Ela te encantou tanto.

Tinha um nariz pequenininho

Tinha um pouquinho de sardas nas bochechas.

Você nem percebeu quando se sentou na cama e começou a fazer carinho no braço dela. Depois começou um carinho no cabelo.

Ela abriu os olhos e você se assustou.

Ela virou o rosto pra você.

Tinha olhos vermelhos muito acesos.

Você sabia que aqueles olhos não existiam, e não falou nada.

Ela sorriu.

Você estava com medo dos olhos mas ainda estava em transe por ela.

-Uhm. Continua o carinho. Ela disse repousando o rosto na sua mão.

Ela beijou a sua palma e começou a te olhar sorrindo.

-Eu te amo muito – Ela te disse.

Você não conseguiu falar nada. Se aproximou e deu um beijo nela. Seu intuito era um beijo rápido mas você grudou na boca dela e ela te ajudou com isso.

Ela afastou um pouco e te disse pra deitar com ela, e você deitou e continuaram e se beijara muito e muito. Você nem percebeu, nem ela percebeu, vocês ficaram dezesseis minutos diretos se beijando.

Depois ela voltou a te olhar.

-Viu ele por agora? - ela te perguntou.

-Vi. Vi quase agora. - Você não sabia o que estava dizendo.

-Tudo bem? - ela perguntou.

-Tudo ué.

-Tudo bem mesmo?

-Não pareço bem?

-Só tá um pouco estranho.

-Eu sou estranho, sê sabe…

-Eu sei meu amor. Só que você tá esse titinho a mais…

-To nada…

-Mesmo mesmo?

-Mesmo mesmo.

-Então tá – ela sorriu, tocou na pontado seu nariz, se recostou como rosto em seu peito e dormiu.

Você estava assustado com os olhos de fogo. Todo o resto era perfeito. Mas os olhos te encabulavam. Você decidiu não ligar. Fechou seus olhos e acordou dentro de um completo breu.

Se levantou e percebeu que segurava algo. Você distinguiu ser uma garrafa de bebida. Rosqueou e bebeu. Vodka. Logo depois de beber começou a enxergar um pontinho microscópico de luz. Começou a andar na direção dele. Ia andando e bebendo andando e bebendo , foi ficando tonto, o pontinho cada vez menor, cada vez mais longe, sentiu que estava caindo e apagou.

Ouviu um grasnar.

Era um pássaro.

Percebeu um gosto na sua boca. Areia.

Começou a cuspir.

Estava com uma calça marrom e uma regata branca.

Olhou para o céu e visualizou o pássaro se indo.

Havia aguas imensas há sua frente.

Pode-se ver a gigantesca cocha boiando, já distante, distante e se indo.

Não se sentiu triste.

Apanhou um pouco de arreia e observou ela caindo por entre os dedos e flutuando um pouco ao sopro do vento.

Começou a andar pela praia.

Você nem percebeu, mas deu a volta na ilha toda duas vezes em dois dias.

Nunca era noite

Sempre era dia.

Ainda andando você começou a escutar uma voz.

Uma voz cantando.

Você não sentiu medo

A voz

O canto

Te trouxe paz.

Você se aproximou da mata

Afastou algumas folhas

E havia uma mulher

E estava nua

Seminua

Com Folhas cobrindo suas partes.

Ela não fazia nada

Só estava sentada

Sozinha

E cantando.

Nem você nem ela perceberam

Mas vocês ficaram ali quatro anos ate que ela terminasse de cantar.

Ela terminou

E abriu os olhos

E os olhos eram dois botões negros que perceberam algo

Que perceberam você

E a principio sentiram medo

E tão logo te fizeram um convite.

Ela adentrou correndo para o interior da mata

você hesitou.

Ficou pensativo demais.

Se voltou pra praia e se sentou na areia.

Ficou olhando pro horizonte.

Ficou olhando a concha gigante balançando e indo embora.

Você não percebeu, mas ficou ali se decidindo por setenta anos.

Então se levantou devagar.

Caduco.

E foi devagar, com calma

afastou folhas secas que despedaçaram

E entrou pra dentro da mata.

CanetaPreta
Enviado por CanetaPreta em 19/11/2021
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