Cabra macho

Vou contá uma estória,
muito tempo assuscedida,
lá nas brenha de Pretória,
cidadezinha esquecida,
onde o vento faz a curva,
o sol tem reima c’a chuva,
e o carcará é comida.

Pois foi lá que assuscedeu,
lá nos idos de quarenta,
que um tal de Zébedeu,
soltô fogo pelas venta
e fumaça por ditrás,
e dixe que era capaz
de lambê pé de pimenta

e fôia de cançanção
cum urtiga de vaqueiro;
pegá cobra com a mão,
comprá pinga sem dinheiro,
se impanziná de feijão
e dispois soltá rojão,
sem niguém sentí o cheiro.

Êita que cabra zangado!
Fobava mil valentia:
Mais de dez tinha capado
só duma noite pro dia;
Emprenhô tanta barriga,
que nenhuma rapariga
ficou de de pança vazia.

Dos marido, tinha dó,
tanta era a sua beleza,
que foi herdada da vó
muié de muitcha nobreza.
Quande êle aparecia,
as mulé tudo se abria,
feito galinha na mesa!

De contá suas vantage,
num parava por aí...
Adispois de vadiage
no sertão do Piauí,
comeu pequi com caroço,
e quando soltou o trôço,
matô dois peba e um quatí.

Diz que nadô rio arriba,
nas água do Maranhão;
passô pela Paraíba
numa braçada de mão,
penetrô nos oceano...
Tiquinho mais de um ano,
tava pra lá do Japão;

Foi na briga, nem se fala!
Tem uma mira certêra.
Faz dez buraco de bala,
sem tirá da cartuchêra.
Cabôco metido à macho,
acaba perdendo os cacho
nos gome de sua peixêra.

Tombém solta cangapé,
bofete e rabo de arraia,
e se alguém ficá de pé,
antes que o cabra caia,
pinta os beiço de vermêio,
raspa tudo que pentêio,
inda obriga a vestí saia.

Cabra de pesca e de caça,
de anzol e bacamarte,
num tinha conta das taça
que já ganhou nessa arte;
Visgô inté tubarão,
puxado à linha mão...
serviu o bicho à la carte.

Na caçada de espera
usava rede de imbira,
acertava qualqué fera
sem precisá fazê mira;
Inté cobra cascavél
o home mandô pro céu,
feito sandáia de tira

Quande tinha jogatina,
fosse carta ou tabuleiro,
nos bordél de Teresina,
ou no Rio de Janeiro,
ele levava à falência,
desde a mais alta gerência,
às puta dos marinheiro.

Mas tombém era escolado,
falava língua estrangêra.
Cantava e dançava o fado;
fosse tango ou gafiêra,
bolero, samba ou balé,
usava as ponta do pé
sem se importà cás friêra.

Inté discurso, dançô,
dia antes de eleição;
seu candidato ganhô
sem fazê corrupção;
c´os voto de diantêra
elegeu a raça intêra
inté muié dos irmão.

Poeta de muitcho estilo,
só fazia rima rica,
rimando isso e aquilo...
Era tanta pulitrica...
que os home da bienal,
chegaro inté passá mal,
mode pegá sua rubrica.

Mas cuma todo Sansão
tem lá as sua fraqueza...
Pois né que o fío do cão,
de tanto arrotá grandeza,
foi cumê pé de tatu,
com rabo de catitu,
nas banda de Fortaleza;

a cumida era reimosa,
e tinha lá seus efeito:
Espinho virava rosa,
macho criava trejeito;
tombém dava caganêra,
discunjutava as cadêra
vertia leite dos peito.

Coitado do Zébedeu,
cumeçô a falá fino,
os dicumento enculheu,
que nem cuião de minino.
Inventô um rebolado,
vestiu vestido cintado,
mudêlo bem fimino.

Se arrefeceu da macheza,
sua munheca caiu...
Já num tem tanta certeza
se foi parido, ou pariu.
Hoje veve nas esquina,
diz que tem peito e valgina,
e comichão no xibiu.

Se no final dessa estória,
alguém não se convenceu,
existe um trem pra Pretória
cheio de roda e pneu.
Quem quisé cumê tatu
cum rabo de catitu,
Vá atrás do Zébedeu!
Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 28/07/2013
Reeditado em 13/03/2021
Código do texto: T4408668
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