Só restou do Pajeú muita saudade e o que guardo na memória de criança

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O médico, violonista e poeta Djalma Marques, egresso das paragens do Pajeú, ficou tão sensibilizado com o texto abaixo, que postei no meu Facebook, que resolveu transformar em versos a morte lenta e irreversível do lendário rio Pajeú. Veja o que escrevi e em seguida os caprichados versos do poeta.

Na minha corrida diária de 6 km passei, há pouco, em Afogados da Ingazeira, numa ponte sobre o rio Pajeú. Aliás, o ex-rio, o rio morto. No lugar dos bancos de areia do passado um esgoto corre a céu aberto. Não existe mais nenhum sinal de que ali havia um rio, famoso e decantado na voz de Luiz Gonzaga. O velho e saudoso Pajeú morreu, literalmente.

Olhei em seu redor e só vi mato, bichos soltos, criatórios de porcos e lixo, muito lixo. Quando morava em Afogados na década de 70, o Pajeú transbordava, tinha cheia e formava vários poços maravilhosos para banho. O poço de Benedito era um deles, fundo de fazer medo a cabra mau nadador como eu.

Lembro que certa vez o Pajeú deu uma cheia tão grande que formou uma praia, praia de rio doce, mas o povo curtia como se fosse o mar. Hoje, procurei sinal de areia e não encontrei, mas soube que existem ainda bancos de areia que alimentam um comércio ilegal, de depredação do rio.

Deu uma profunda dor no coração me deparar com um rio lendário morto. Diz a música de Gonzaga que o rio Pajeú despeja no São Francisco. Despejava, isso faz parte de um passado muito distante. Mataram o rio.

OS VERSOS

Djalma produziu os versos abaixo em cima do seguinte mote: "Só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança".

Eu corria contente no sertão

na cidade que eu nasci e tanto amei

de repente ao passar me deparei

com uma cena que rasgou meu coração

vi o rio, para nós uma paixão

Pajeú maior exemplo de pujança

sem um pingo de água de lembrança

se acabou o grande orgulho da cidade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Só pensar no que já vi me dá tristeza

lembro as águas passando, uma corrente

os meninos nadando livremente

e o povo apreciando essa beleza

esse rio que já foi a fortaleza

que já fez com poetas aliança

foi cantado em prosa, verso, música e dança

de salário recebeu só crueldade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

No lugar de belos bancos de areia

corre ali um esgoto a céu aberto

quem já teve o desprazer de ver de perto

se espanta da beleza agora feia

observa todo o lixo que o margeia

dos dois lados até onde a vista alcança

queira Deus que a natureza por vingança

não responda dando um troco a essa maldade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Não existe mais nenhum sinal de vida

decantado na voz do cantador

o que resta no seu leito é só a dor

e as tristes cicatrizes da ferida

de um passado da glória ali jazida

um lamento, um soluço sem esperança

resultado cruel de uma matança

da inocência e da fragilidade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Nesse leito onde antes era um sonho

de abundância de vida e de beleza

hoje os porcos parecem realeza

refletindo um cenário tão bisonho

do que antes me orgulhava, me envergonho

de deixar pras gerações maldita herança

um regalo de total desesperança

um exemplo de completa insanidade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Tem comércio ilegal em pleno leito

desse rio lendário e quase morto

um destino mais triste que um aborto

um punhal penetrando no seu peito

uma culpa que se paga sem ter feito

de um crime que não cabe mais fiança

como o roubo do fiel de uma balança

como um estupro na própria mocidade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Tenho pena dos jovens de hoje em dia

que não viram o que eu vi quando menino

esse rio que mudaram o seu destino

ofegante num suspiro, uma agonia

de governos que a lógica contraria

nem me falem já perdi a confiança

falta um homem, um pulso, uma liderança

que encare esse problema com vontade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Esperamos quem corrija esse erro

quem defenda o Pajeú da sua sorte

pois agora é iminente a sua morte

o futuro é transformá-lo num aterro

porém antes que aconteça o seu enterro

vamos juntos protestar com segurança

fazer isso com total perseverança

té que surja um político de verdade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Finalizo o meu clamor tão sertanejo

mas não tô pedindo esmola, é diferente

é um crime contra o meio ambiente

que eu estou denunciando nesse ensejo

é o bem de todos nós que eu desejo

é até mesmo a própria lei que me afiança

que exige do governo uma mudança

desse crime que é contra a humanidade

só restou do Pajeú muita saudade

e o que guardo na memória de criança

Deixe as águas correrem livremente

deixe a vida transbordar na natureza

deixe o peixe nadar na correnteza

deixe o povo viver alegremente

deixe as aves conduzirem a semente

deixe as plantas crescerem na bonança

deixe o rio sorrir enquanto avança

deixe a água produzir fertilidade

pra não ser meu Pajeú só a saudade

que guardei na memória de criança

djalma marques
Enviado por djalma marques em 29/04/2015
Reeditado em 03/10/2015
Código do texto: T5224185
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