Águas Mansas. (Re) VOLTAS águas.

O sol despontou mais cedo sobre a cordilheira e enfiava a cara pelos baixios.

Invasor de todo e qualquer espaço. Menos onde estava.

O pouco dele que aparecia por lá,

Chegava pelas intrusas centelhas que perpassavam as copas e folhagens.

Aos poucos, a temperatura subia.

Podia sentir um aquecer corpo-afora.

Tirei os sapatos e afoguei os pés enrugados na água lerda e fria.

Batia um contra o outro,

Causando furor e ondulação no regato.

Molhei o rosto naquela pureza.

Sem cobranças,

Possuía e era possuído.

E brincando de reverenciar o inefável,

Assim fiquei.

Até que levantei-me,

Amarrei os sapatos pelos cadarços,

Pendurei-os no ombro.

Pus-me a caminhar.

Sentia a energia da relva molhada e a sola do pé pressionada contra os pedriscos.

Era invadido por uma dor de expressiva liberdade.

Nada podia deter-me, a não ser eu mesmo.

Mais abaixo,

Uma enorme pedra divisava a correnteza em duas tranças leitosas.

As águas lamuriavam o estrangulamento. Com isto, a velocidade das águas aumentava.

Sentei-me. Era dono de todo o tempo.

Na realidade, o que me pertence,

Continua pertencendo e não leva em conta os crepúsculos e auroras.

Integralmente. Espírito. Corpo e Alma.

Nuvens escuras circulavam ao meu redor.

Faíscas de fogo riscavam o céu cinzento.

O verde azulado dava lugar ao sombrio.

Ventos avassaladores dobravam árvores.

Chuva intensa à montante;

Turbilhonamento à jusante.

Revolta. Fúria repentina.

Por ali não havia areia.

Nem sal;

Nem coqueiros;

Nem recifes;

Nem ilhas.

Em resposta,

Reviravolta nas águas. Não estão mais tão doces.

Redemoinhos movediços.

Impulsionando. Avassaladores. Murmurantes.

E elas, que eram mansas e doces correntezas de águas doces arrastaram-me:

Para perto do mar.

Bem longe do meu amor;

Contemplando o luar.

As pedras rolam: se encontram.

Os moinhos moem: sinal de alimento.

Os sinos dobram: louvor aos ouvidos.

Os relógios tic-tac: vidas que se vão.

Águas doces: saídas da terra.

Seguem o mesmo curso: nunca retornam por onde passam.

Ao retornar: evaporação, condensação, precipitação.

Tudo tende a se refazer.

Curinga. Ás.

Refaz.

Ação.

Ciclo refeito.

Chuva a montante.

Cheia à jusante.

Águas, (re) voltas águas.

Doces. Salgadas.

Eu? Torvelinho que rema.

Conectado. Desligado.

Frágil como pena.

Minguado feito sereno sob sol matinal.

Reconheço: insosso como este poema.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 26/06/2015
Reeditado em 26/06/2015
Código do texto: T5290289
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