CUM SODADE DA SODADE

Poema inspirado em fragmentos de lembranças de um poema de dominio popular

que ouvia quando criança... numa roda de viola em algum lugar do sertão...

CUM SODADE DA SAUDADE

Marcial Salaverry

Iscuitando o prosiá doceis,

mi baxô no coração,

uma baita sodade do meu sertão...

Ieu ficava contemplando o anoitecê,

Vendo o céu escurecê...

Baxando o luá nu meu sertão...

E agora, vendo lá longe o passado,

neste caminho que tenhu andado,

nesse meu passado

que não vorta nunca mais.

Bem no cumeço da vida,

vejo uma cruzinha caída

bem no arto do espigão...

Foi a Joaninha,

que era a única vizinha

que eu tinha lá no sertão.

Niquiqui raiava o dia,

correndo nois dois ia

lá no corguinho brincá.

Prantemo um jardim,

cheio di linda frô,

qui eu cuiia, pra modi presentiá,

minha quirida Joaninha...

No tronco do veio ipê

Nois juremo de si querê

E inté fizemo um siná.

Pra modi quando nois dois crescesse,

e nosso ombro ali batesse,

nois havera de si casa.

Mai, Deus num quis ansim,

i nosso amô teve fim...

Eu já tinha quinzi anu

quando a disgraça aconteceu.

Um boi marvado pegou a Joaninha,

e pinchô ela nu chão,

matando meu coração...

Peguei ela nus braçu,

vi seus zóio se fechano

e ela foi p’ra mim falano:

Chore não meu cabôco,

ieu só vô passiá juntinho di NossuSinhô...

Foi longo esse passeio,

esperei tanto, ela não veio...

Achu qui di lá gostô...

Nuncamai vortô...

Ieu fiquei sem meu amô...

No tronco do veio ipê,

onde noidoi juremo de si querê,

fiz prela uma cruz...

Naquele tempo eu não sabia

que quando uma gente morria,

num vortava nunca mais.

Joaninha, adispois cocê foi embora,

eu parti pro mundo a fora,

nunca mai otro amô incontrei...

Pra cada moça qui zoio,

mi alembro docê...

Essa raiz da sodade,

ficô no peito prantada,

pra modi num saí nuncamai...

Pruque amô sincero e puro

iguá ao nosso, eu juro –

nunca mais tornei encontrá!

Marcial Salaverry
Enviado por Marcial Salaverry em 29/06/2015
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