LEMBRANÇAS DO MEU LUGAR


Deitada num esterote
No terreiro da cozinha
Vendo estrelas de magote
E a lua que se avizinha,
As lembranças vêm em lote
Como se formando mote
Deixando-me... assim... molinha.

Lembro a casa de farinha;
As raspagens de mandioca;
Com as minhas coleguinhas
Com quem andava, em maloca:
A Eva, Bia e Dalvinha,
Algumas das amiguinhas
Que a minha mente evoca.

Banhos de “bica” e de “rio”,
Todas nuinhas, no pêlo:
Sem afetar nossos brios;
Sem nos por ao desmazelo.
Quando lembro disso, rio!
Gargalhando em desvario
Ao pensar no desmantelo.

Na pitombeira, trepada,
Num galhinho, lá em cima!
Jogo pitomba chupada
Na cabeça dum tal Mima
Que compõe a parentada
Dessa garota levada
Que, hoje, escreve em rima.

Lembro Miguel de Anacleto,
Irmão da amiga Bia,
Cujo esporte predileto,
Que sempre, sempre, fazia:
Os pés atrás do pescoço.
Parecia até sem osso!
Muitas palmas recebia.

Cuia de medir farinha
Cheinha de cambuim
Colhidos lá na Matinha,
Em meio a mato e capim,
Bem cedo, de manhãzinha:
Eu, com a minha mãezinha,
E a filha do Seu Joaquim.

O Domingo era sagrado!
Tinha feira e tinha missa.
A turma, já levantada,
De madrugada. A preguiça,
Os cavalos já selados,
Todos jogavam de lado!
E o mais novo, ao velho, atiça.

Na Igreja, a missa cantada,
Em latim, ninguém entende.
A moçada, espivitada,
Vez em quando o olhar pende,
Piscando à rapaziada
Que não desce da montada
E que, aos olhares, se rende.

Na feira, os feirantes gritam:
Ê... aí... o sarapatel
Com macaxeira da boa!!
A cachaça mole, a granel,
Com tripa de porco assada,
Não é, sequer, vigiada!
No “morre-em-pé” do Manel.

N’um outro canto, buchada,
Com arroz e com farinha,
Muito bem apimentada!
Também puxada à caninha
Preparada com canela,
Que a torna um pouco amarela.
- Dá-me uma “lapada”, Aninha!

Tapioca com sardinha;
Pão doce e caldo de cana;
Beiju seco com café;
Rolos de cana caiana.
E a criançada abusa
Do alfinim. Se lambuza.
E a mãe, zangada, se dana:

- Tu tais todo lambuzado,
Cachorro! Vai te lavar:
Tirar o grude da cara!
E, depois, vai procurar
Teu pai pra gente ir embora.
Já tá passando da hora
De, pra casa, nós voltar!

E voltam de tardezinha,
Um montado, outro a pé.
Num caçuá, vem Zequinha
No outro, vem Salomé,
Que é filha da vizinha,
Da Sinhá-Dona Zefinha
Casada com Barnabé.

Chegando em casa cansado!
Nem dá tempo de tomar
Um banho para dormir,
No rio. É só se lavar
Um pouco, e cair na rede
Armada junto à parede,
E já começa a roncar.

E dorme sem nem sonhar,
Como é o costume tido:
Sonhos com alma penada,
Com um “bicho desconhecido”
Das “estórias de trancoso”
Contados por nhô Cardoso,
Um vôzinho muito querido.

Vêm-me à lembrança os terços
De maio em Sinhá Santina
Q’eu ia com minha mãe
E irmãs, ainda menina,
Levando flores pro altar
Para à Santinha ofertar:
Rosa amarela e bonina.

Revejo as farinhadas;
A ruma de mandioca;
Mulheres tirando goma
Para fazer tapioca;
Massa, no forno, secando,
Mexida, se transformando
Em farinha pra paçoca.

Noites e noites a fio,
A turma se revezando!
Sacos e sacos de goma
E de farinha secando,
Uma parte na moagem
E a outra na prensagem,
E mais uma se peneirando.

É só festa e alegria!
Pois a turma é animada.
Dia e noite, noite e dia,
Numa alegria danada!
E sem nenhum exagero:
De outubro até janeiro
Durava uma farinhada.

Lembro a tábua de lavar
Atravessando o riacho,
A gente escanchada nela
Chupando pitomba em cacho,
Vendo os muçuns se enroscando,
E na lama se enfiando.
- Seriam fêmeas ou macho?!

Lindos cachos de dendê
Enfeitam a margem do rio,
Disputa com as bananeiras
Que mostram, em desafio,
Seus cachos amarelinhos
Com frutos bem madurinhos!
O lembrar dá-me arrepio.
 
Arrepio de saudades
Da vida com a natureza,
Em um contato direto
Com toda aquela beleza.
E o cantar da passarada,
Ao final da madrugada,
Transmite paz e leveza.
 
- Levanta-te, Mariquinha!
Pega o pote e vai buscar
Água pra lavar a louça!
- Francisco, vai apanhar
Garrancho para acender
O fogo mode eu fazer
Café pra gente tomar.
 
Um cafezinho de caco,
Torrado com rapadura,
Com um beijuzinho de coco
Denominado “ticura”
Que é feito sob a farinha.
Assado na quenturinha.
É mesmo uma gostosura!
 
Também se costuma ter,
Como acompanhamento:
Um bolo pé-de-moleque,
Pão caseiro – sem fermento,
Feito com massa dormida
No seu composto, acrescida
De nata no aviamento.
 
E, ainda, saudosamente,
Vêm-me as noites de luar
Com toda a vizinhança
No terreiro a conversar.
A criançada brincando
De tica, e corda pulando,
E a moçada a namorar.
 
Lembro a “mata do chocalho”
Que o dito nome ganhou
De um corpo, segundo a lenda,
Que, um dia, alguém encontrou
Numa árvore dependurado,
Descarnado e ressecado.
E a notícia espalhou.
 
Lembro ainda a cobra preta
Que era mesmo o terror
Daquelas senhoras jovens
Muito “honestas” sim Senhor!
Por onde a mesma passava
A todas engravidava,
Deixando, ao marido, a dor.
 
A dor de ver-se traído
Sem saber com quem lutar
Pois à “cobra ”, invisível
Que é, não pode agarrar.
Só lhe sobra a obrigação
De como seu filho, então,
Da “dita”, o filho, criar.
 
E os forrós do Seu Chicó
Sob a luz do candeeiro,
Debaixo d’uma latada
Toda em palha de coqueiro!
Com a sanfona gemendo
E o pandeiro batendo.
- Puxa o fole sanfoneiro!!
 
São lembranças que ficaram
Na minha mente marcadas
Como se tivessem sido
A ferro e fogo timbradas!
Mas são lembranças gostosas
Das cenas maravilhosas
Por mim, pois, consideradas.
 
Lembranças de tempo bom
De um tempo sem malícia
Em que tudo que é lembrado
Para mim, é uma delícia:
Lembranças da minha gente,
Do que ela é, do que sente.
Gente da gente! Patrícia!



Fim

(Homenagem ao Sítio Jerimum - Município  de  Jacaraú-PB – Brasil, apresentado   em 14 de março  de 2007, Dia da Poesia, na Fundação Capitania das Artes -em Natal/RN)
 
ROSA RAMOS REGIS DA SILVA (Rosa Regis) – Filha de agricultores da terra alheia. Paraibana, do Sítio Jerimum - Município de Jacaraú-PB, residente em Natal – Capital do Rio Grande do Norte, desde 1966. Formada em Economia (Bacharelado) e Filosofia (Licenciatura e Bacharelado), pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Amante da Poesia, especialmente do Cordel, que começou ao iniciar o seu Curso de Filosofia-Licenciatura, no qual, mais de oitenta por cento dos seus trabalhos foram feitos em rima, inclusive parte do seu trabalho monográfico de final de curso e os dois Discursos de Formatura.