As tiradas de Ernestino

Algumas pessoas na vida

Marcam bem nosso destino

Por isso hoje vou falar,

Sobre meu sogro Ernestino

Pessoa encantadora

Com seu peculiar bom humor

Quem nunca ouviu suas tiradas

Nessa vida não brincou

Resposta sempre aguçada

Toda vez que era questionado

Qualquer que fosse a proposta

Ele não ficava calado

Muita coisa para mostrar

A memória sempre ativa

Apesar da sua idade

Quase cem anos de vida

Dentre muitas histórias

Que poderia relatar

Me deterei em algumas

Que passo agora a contar

Uma vez seu motorista

Disse que ia estudar

Cursar uma faculdade

Pois queria se formar

Tinha escolhido Direito

Para ser advogado

Vivia citando artigos

Do tal Código Penal gravado

Na verdade era uma Bíblia

Que sempre gostou de ler

Foi tudo uma brincadeira

Não tinha curso a fazer

Contudo seu Ernestino

Por não ter sua visão

Acreditou de pronto

Ao ter o livro na mão

E um dia estando no carro

Mais uma vez a passear

O motorista de novo

Os artigos pôs-se a citar

Perguntando se concordava

Com o que ele acabara de ler

Ernestino respondeu:

Ora, a autoridade aqui é você

Outra vez no hospital

Quando ele esteve internado

Ao receber a visita

Do motorista citado

Perguntaram-lhe quem era

Num tom de fazer prosa

Ele disse ao lembrar de antes:

Esse é o meu Rui Barbosa

Benedito é o seu nome

Mas Chinês apelidado

Não precisa mais que isso

Para ver que é falsificado

Porém, as suas respostas

Não gozavam de um único endereço

E assim ele seguia brincando

Com aqueles por quem tinha apreço

São inúmeras suas tiradas

Que num texto não vão caber

Precisariam ser vários

Para tudo eu poder escrever

Uma vez para Petrolina

Sua esposa viajou

Ele então ficou comigo

Em minha casa se hospedou

Ia ter uma grande festa

Uma sobrinha ia casar

Por isso Dona Dolores

Foi com os irmãos para lá

Depois de dois dias passados

Ela sem telefonar

Ele me falou sobre um sonho

Que era conseguir voar

Nem que fosse para ser um mosquito

Viver com as asas batendo

Só assim ele saberia

O que Dolores estava fazendo

Lembro também de outra vez

Em que lhe fiz companhia

Pois de novo ele sozinho

Se encontrava nesse dia

Em sua cama deitados

Começamos a prosear

Porém eu muito cansado

Não demorei cochilar

Aquele sono bem rápido

Que a gente chama de "pescar"

Logo então eu despertei

Ao ouvir ele falar:

Diz que vem ficar comigo

Para poder conversar

Se aproveita é da minha cama

Começa logo a roncar

Naquele exato momento

Eu acordei e ele ouviu

Defendeu-se logo dizendo:

Meu pensamento me traiu

Porém ele também falava

No campo da seriedade

Coisas que muito marcavam

Por notarmos que é verdade

Na época que eu senti

A dor maior da minha vida

Que foi perder o meu pai

Pessoa prá mim muito querida

Foram dias bem difíceis

Sem conseguir aceitar

A partida do meu herói

Com ele não poder mais falar

Veio então o mês de agosto

Que aos pais é consagrado

Fui cumprimentar seu Ernestino

Ainda muito emocionado

Ele mesmo sem ter sua visão

Mas sentiu a minha dor

Disse: sogro também é pai

E a minha mão apertou

Naquele instante emudeci

Palavras não conseguia dizer

Dei-lhe apenas um abraço

Demonstrei-lhe o meu prazer

Com seu ato de carinho

Que jamais vou esquecer

Em meu peito estará guardado

Enquanto aqui eu viver

Mas quem o conheceu bem

Sabe o que estou falando

Ele sempre foi assim

A vida toda cuidando

Sempre ajudou a todos

Que em sua vida conheceu

Com palavras e ações

Um dom que Jesus lhe deu

E assim foi esse homem

Que as vezes pareceu menino

Cuja vida lá atrás

Deu-lhe o nome de Ernestino

Silvan Magalhães
Enviado por Silvan Magalhães em 10/02/2018
Reeditado em 12/11/2019
Código do texto: T6250581
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