NA VELHICE A INFÂNCIA É VERDADE

Mote: Cordel do Fogo Encantado

Vez em quando, quando lembro d'eu menina

E me boto a meu tempo bom lembrar

Me aperreio, dá vontade de chorar

Enche d'água minha já fraca retina

Envelhecer foi somente a minha sina

Perdeu, pra mim, o mundo a beleza

Como se tira dum dia a clareza

Pois tiraram de mim a liberdade

Na velhice a infância é verdade

E o compasso é da mãe natureza

Minha infância, meus longos doze anos

Que eu pensei serem eternos os meus dias

Nesse tempo eu tive tantas alegrias

Que me deram razão pra tantos planos

Mas a vida embaralhou me deu enganos

Pediu bravura onde eu era sutileza

Mãos de veludo, eu era delicadeza

Mas perdi também minha bondade

Na velhice a infância é verdade

E o compasso é da mãe natureza

Lembro eu moça com sorriso de alegria

Quando mãe me trazia lá da feira

Chita lisa e meu destino a costureira

Começava a enfeitar meu dia a dia

Agulha, linha e tava pronta a poesia

Mas no mundo eu fui a fácil presa

Veio o tempo com ganância e sutileza

Me dando o breu que se ganha a cada idade

Na velhice a infância é verdade

E o compasso é da mãe natureza

Perdi os sonhos que se tem na meninice

Pois só menino tem pureza no criar

Fui costureira sem saber nem costurar

Fiz com que a lua num polegar sumisse

Não soube eu o que era a mesmice

Hoje a mesmice é minha unica certeza

A luz mais forte no telhado tá acesa

E não me faz lembrar da claridade

Na velhice a infância é verdade

E o compasso é da mãe natureza.