DESABAFO DUM SERTANEJO NORDESTINO A JESUS CRISTO

Oh meu caro Jesus Cristo

Por todo o mundo bem-visto

Eu vos peço, por favor

Joelhos dobrados ao chão

Rogo a vós em oração

Escutai o meu clamor.

Aqui nesse meu roçado

Está tudo esturricado

Um pingo d'água não tem

A vegetação murchou

O solo em banda rachou

E lá se vai mundo além.

A seca tudo consome

Animais morrem de fome

Eu fico a me lamentar

De nada posso fazer

Só o Senhor tem o poder

De nessa hora ajudar.

Meu touro de criação

Melhor dessa região

O coitadinho morreu!

Não gosto nem de lembrar

Dá vontade de chorar

Vendo o sofrimento seu.

Meu melhor e grande amigo

Apelidado por “Figo”

Cachorro de estimação

Dele me deu muita dó

Assistindo o meu totó

Agonizando no oitão.

Além disso, “Laranjeira”

A melhor vaca leiteira

Daqui desse meu sertão

De fome foi abatida

Foi a dor mais dolorida

Que senti na ocasião.

O meu cavalo alazão

O invencível “Espigão”

Em festa de vaquejada

Sua pegada era forte

Foi vencido pela morte

Por essa seca malvada.

O galo lá no poleiro

O grande cancioneiro

De toda a madrugada

De gogó enfraquecido

Tristonho e muito abatido

Ainda perdeu sua amada.

Meu bode reprodutor

Alcunhado de “Castor”

Não berra mais no quintal

Vive no seu cativeiro

Na sombra dum juazeiro

Esperando o seu final.

O “Sansão” meu jumentinho

Morreu de sede o bichinho

Por aí no tabuleiro

Seu relincho dá saudade

Que ficou na imensidade

Por esse sertão inteiro.

Nuvens nesse céu não vejo

Nem tampouco relampejo

De chuva nem um sinal

No rosto lágrima desce

Meu coração se entristece

O desengano é total.

E nem sequer um fiapo

De fruta de jenipapo

Existe no meu pomar

Todo seu caule secou

Sem água ele se dobrou

Para nunca mais brotar.

Bem lá naquela lagoa

Pescaria de canoa

Era grande a diversão

Hoje só lama restou

Logo se petrificou

Ficando apenas torrão.

Nem um sinal do Tetéu

Nosso profeta Xexéu

Anunciando o inverno

Dele só pluma sobrou

Nem ele mesmo escapou

Dessa estiagem do inferno.

Não se vê mais revoada

No céu de passarinhada

Daqui desse meu sertão

Nessa secura tirana

Nem uma ave da savana

Ficou para a geração.

Não sobrou nem jitirana

Para servir de cabana

Pro pobre camaleão

Esse vegetariano

Incansável veterano

Das veredas do sertão.

Cadê nossas borboletas

Amarelas, brancas, pretas,

Daqui do nosso agreste?

Sabe-se do paradeiro

Adubo de formigueiro

Por todo o nosso Nordeste.

Não se escuta a cigarra

Com sua firme fanfarra

Em pleno brilho do dia

Cerrado não mais existe

A caatinga ficou triste

Sem a sua sinfonia.

O misterioso cancão

Da floresta o guardião

Do seu canto nem um piu!

Bicho-homem lhe comeu

Ou de doença morreu

Porque ninguém mais o viu.

Coitado do beija-flor

Tá todo desolador

E que tristeza sem fim

As rosas que ele beijara

Caídas ao solo achara

Sem vidas no seu jardim.

Esse é o meu sertão

Passando por aflição

Aos poucos se vai morrendo

Meu Deus, que pena me dá

Daquele infeliz preá

De sede se retorcendo.

Até o bicho saruê

Bom tempo que não se vê

Senhor qual a explicação?

Se for castigo que-diga

Se não for me desobriga

De minha interrogação.

Esse pobre sertanejo

Seu primeiro gargarejo

É olhar para a nascente

Caso não veja a barra

A sua fé se desgarra

Ficando ainda mais descrente.

Dia vai e dia vem

Meu sertão fica refém

Daquela transposição

Que dó dos meus irmãozinhos

Esses pobres coitadinhos

Penando nesse mundão.

Quão grande é a minha dor

Presenciando clamor

Nesse pedaço de chão

O desespero é medonho

Parece que vivo um sonho

Dele não acordo não.

Essa tal coisa-ruim

Nunca vai chegar ao fim?

Indago a vós meu Senhor

Se vós tendes o poder

Qual a razão de querer

Que continue esse horror?

Eis-me aí a questão

De minha preocupação

Ante tanto sofrimento

Com os irracionais

Necessitados demais

De água e alimento.

O que doeu mais em mim

Ler naquele boletim

A pior nota do dia

O sertanejo queixoso

Por ter morrido “Dengoso”

O seu gato cabo-guia.

Aliás, quero entender

O porquê desse sofrer

Aqui neste meu sertão

Se o solo é produtivo

Oh meu Deus qual o motivo

Dessa má situação?

Será que é um castigo?

Um feitiço do inimigo

Fincado aqui nesse chão?

Se realmente é isto

Por favor, meu Jesus Cristo

Retira essa maldição.

É triste e calamitoso

E muito mais doloroso

Ver o bicho padecer

Ele olha para a gente

Com um olhar envolvente

Que não dá para esquecer.

Meu sentimento expressei

Emotivo, sim, chorei.

Nesse cenário de dor

De ver só coisa-ruim

Entristeci-me, enfim

Sofri junto, pois, “Senhor”.

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 01/06/2018
Reeditado em 15/11/2020
Código do texto: T6352726
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