Cordel De Direita e De Esquerda

Direita volver, esquerda volver,

Marche, um dois, um dois,

Atenção! Alto, soldado, descansar!

E tudo mais que vem depois,

Pois a vida no quartel não para,

Com marcha e descanso o dia se embala

E nem é preciso dar nome aos bois.

Mas não estou aqui pra criticar,

Nem muito menos quero elogiar,

Pois vou trabalhar outro tema,

O primeiro é somente para começar

Uma reflexão sobre os dois lados

De um retângulo ou um quadrado

Como se o mundo fosse número par.

Direita e esquerda são apenas direções

E não destinos que devamos atingir,

Posso ir para um lado ou para o outro,

Tudo depende para onde quero ir,

Vou à padaria do Seu Joaquim

Ou ao mercadinho comprar quindim,

Importante é a decisão a me dirigir.

Destro ou canhoto tenho direito

De escolher o braço que vou usar,

Se escrevo melhor com um,

O outro me serve de auxiliar

Para segurar o prato e o copo,

Usar o binóculo e regular o foco,

Guiar o carro e a marcha engatar.

Tenho duas pernas que me sustentam,

Admiro quem têm só uma e não se abate,

Pois com as duas faço caminhadas,

Se fosse escolher a melhor daria empate,

Numa pista de corrida ou numa balada,

Minhas pernas suportam a parada,

Estão prontas para qualquer combate.

Por isso prefiro usar os dois lados,

Não quero amputar sem necessidade

Um membro bom por preconceito

Que ainda não perdeu sua validade,

A direita e a esquerda eu louvo,

Não tenho muitos como tem o polvo,

Mas dois braços me servem de verdade.

Tem coisa boa nas bandas de lá,

Tem coisas boas do lado de cá,

O importante é não ficar parado

Dizendo a esquerda é muito má

E as coisas boas estão aqui,

Por isso nem penso em sair

Nem que seja somente pra visitar.

Não vou desfazer de um deficiente

Que revela a beleza da superação,

Pois não se tem um dos membros

Vai além dessa sua limitação,

Suprindo a falta de uma parte,

Faz bem no esporte e na arte,

Vencendo qualquer discriminação.

Eu quero falar mesmo do aleijado

Que está dilacerado socialmente

E só enxerga em uma dimensão,

Com a alma presa à uma corrente,

Incapaz de fazer uso do bom-senso,

Dizendo: Eu existo, logo não penso

E só sei andar olhando pra frente.

Como um cavalo puxa a carroça

Impedido de ver o periférico,

Obedece ao reio nas costas

Por um cocheiro de grito histérico

Que determina o seu caminho

E o mantêm sempre calminho,

Prometendo-lhe um reforço numérico.

Quero aqui descer o pau sem dó

No politiqueiro preconceituoso

Que da realidade vê um lado só

E diz que o diferente é do tinhoso,

Que ideias não se pode discutir,

Já que a tradição deve persistir,

Pois se mudar o efeito é danoso.

Não tenho medo de falar mal

Daqueles que não têm inteligência

E chamam um animal de jumento,

Julgando um burro pela aparência,

Como se não visse a si no espelho

Nem reparasse os erros do seu grupelho,

Tentando esconder a própria indecência.

Alguns sim por pura incompetência,

Outros com total falta de caridade,

Defendem privilégios de poucos,

Jogam esterco na comunidade,

Ainda dizem que Deus abençoa

O sistema de casta que amaldiçoa

E destroçam uma mesma realidade.

Se tenho uma ferida em meu braço,

Seja no esquerdo ou no direito,

Devo tomar consciência da chaga,

Tratar e procurar corrigir o defeito,

Usar o medicamento mais eficaz,

Evitar atitude pouco perspicaz

E acabar de vez com o malfeito.

Lembro de um ser mitológico,

Parte do nosso folclore brasileiro,

Que é o menino de um perna só,

Chamado de Saci, o bagunceiro,

Que atrapalha a vida da gente

E nada tem de homem decente

A fazer na aldeia um pampeiro.

Se até uma esfera tem duas partes,

O lado de dentro e o lado de fora,

O assoalho o de baixo e o de cima,

Como pode então ser isso agora?

Sociedade capengar numa banda só

Com uma direita tão lesada de dar dó

Ou outro lado a morrer a qualquer hora?

Quero poder viver o que puder

Com liberdade e também disciplina,

Sem levar socos de grandalhões,

Estejam eles de farda ou de batina,

Sejam eles das natas ou das ralés,

Não venham me agredir à pontapés,

Nem queiram me envolver numa chacina.

Tem muito mané querendo uma coleira,

Pedindo uma corrente ou uma mordaça,

Oferecendo o pescoço a um enforcador,

Trocando o arbítrio por uma desgraça,

Ansiando por uma cadeia de quartel

Ou buscando um comando de cartel,

Puxa! Como temo à essa ameaça!

Infeliz é quem precisa de um dono,

Infeliz é quem não sabe usar a razão

E nem decidir pelo que deseja ou não,

Não consegue escolher um bolo ou pão,

Precisa quem determine suas ações,

Tranforme seu hotéis em prisões

E mude a melodia da sua canção.

De minha parte prefiro conviver

Com os esquerdistas e direitistas,

Revolucionários, conservadores,

Conformistas, visionários ou ativistas,

Religiosos, pagãos, crentes ou ateus,

Espiritualistas, cristãos ou fariseus,

A aturar nojentos racistas ou nazistas

Concluindo essa nossa reflexão,

Quero dizer que ter opção é melhor,

Pensar e discutir com liberdade,

Valorizar o que é bem e repudiar o pior,

Alternar possibilidades e seguir,

Poder sonhar e coisas tantas possuir,

Respeitar desde o pequeno ao maior.