O dia em que Jackson do Pandeiro matou dois soldados, quatro cabo e um sargento

Mentir em literatura

É coisa que eu mão aguento

Então aqui vou contar

Um grande acontecimento:

A morte de “dois soldados,

Quatro cabo e um sargento”.

A Polícia Militar

Meteu-se nesse tormento

Na Paraíba do Norte

No lugar Entroncamento

Por causa de um bafafá

Do compadre Mané Bento.

O Cabo Tenório era

Inspetor de Quarteirão

Comadre Sebastiana

Era a dona do salão

Dançou fora do compasso

Xaxado virou baião.

Mano Zé meteu a faca

Num sujeitinho canalha

Teixeira soltou o pé

E acunhou a navalha

Gritou a dona Zezé:

“Ninguém aqui avacalha”

Peixeira falou no centro

Apagaram o lampião

Zezé amarrou a saia

E com a mão de pilão

Saiu fraturando chifre

Foi grande a agitação.

Chegou o Cabo Tenório

Inspetor de Quarteirão

Um sujeito mais valente

Que o famoso Boi Tungão

Quando tomava cachaça

Enfrentava um batalhão.

Chamaram o subtenente

“Quatro cabo e um sargento”

A briga durou dois dias

No fim tomaram no assento

Na mão do compadre Tota

Foi grande o padecimento.

Na briga, compadre Tota

Perdeu o seu canivete

Na barriga de um cabo

Que era metido a valete

Um soldado desmaiou

De tanto murro e bufete.

Um paisana enxerido

Metido a americano

Mandou tocar boogie-woogie

Versão de paraibano

Dizendo que Tio Sam

Era mesmo o soberano.

Zé do Fole se arretou:

“Pode ir preparando a tumba

Que aqui neste forró

Você não fura a zabumba

Vai apanhar pra aprender

“Que o samba não é rumba”.

Outro cabrinha safado

Do lugar Itabaiana

Quis acalmar a zoada

Com chiclete e cajarana

Misturando samba e rock

Comendo blues com banana.

Foi quando a ema gemeu

No tronco do juremá

Deram até voz de prisão

A um doido que havia lá

Que se dizia fiscal

Do alucinado fuá.

Um soldado deu um tiro

No mestre do Boi Bumbá

A correria foi grande

No Reinado Imperiá

Bumbaram o boi de Bragança

Rasgaram seu abadá

O tirinete foi grande

Repercutiu na lagoa

Um casal atordoado

Foi se lavar numa boa

Quando viram um cururu

Bebendo e dizendo loa

O outro sapo entoava

Uma cantiga em dez pés

Lendo a lista do fiado

Temendo sofrer revés

Calculou o prejuízo

Comprou por quinhentos réis

Após muitos pontapés,

Terminou o zum zum zum

Quando um capoeirista

Tomou um litro de rum

E gritou pra macacada:

“Capoeira mata um!”

O baiano era enfezado

No jogo da capoeira

Chamou por Senhor São Bento

Para não fazer besteira

Dizendo: “Salve a Bahia!”

Animando a bandalheira

Zefinha do Bago Mole

Quis emendar o bigode

Com um cabra de Sapé

Dizendo: “você é bode

Coça o rabo com o chifre

Hoje ninguém lhe acode”

Ela, em meio ao pagode,

Disse: “não tem diferença

Entre o homem e a mulher

Não pode haver desavença

Se Eva comeu maçã

Adão lhe pediu a bença”

“Mulher também faz presença

No meio do bate boca

Depois que toma um quentão

Dá a bexiga taboca

Se aqui eu me enfezar

Acabo com essa biboca”

Entrou um cabra canalha

Com camisa do Flamengo

Feio feito uma guariba

Com quatro canas no quengo

Disse: “meu time perdendo

Hoje aqui não tem dengo”

Agarraram o monstrengo

Foi grande o ziriguidum

Foi pra torcida do Vasco

Aí quebrou o jejum

Gritou: “meu time perdendo

Aqui vai ter zum zum zum”

“Porque não tem um a um

O meu time é de primeira

Sua linha atacante

Será sempre artilheira”

Pegaram o bicho por trás

Derrubaram na rasteira

Outro sem eira nem beira

Agarrou um amuleto

Gritou: “Eu sou Santa Cruz!”

Acunharam-lhe um espeto

Depois cobriram com um pano

Encarnado branco e preto

Esse sururu no gueto

Provocou uma inhaca

Do suor da macacada

Cocô e mijo de vaca

Cortaram o quengo de um corno

Enfiaram numa estaca

Aí chegou um babaca

Com onda sentimental

Chamegando com a morena

Querendo plantar um pau

No jardim da donzelinha

Que só cheira a bacalhau

O soldado Nicolau

Com ciúme da morena

Disse assim: “meu bem querer

Seu perfume de assucena

Atiça cabra disposto

Tem o cheiro de problema

Essa morena era filha

Da comadre Sá Joaninha

Vinda de Caruaru

Onde um forró ela tinha

Uma forgança danada

Onde era cobra-rainha

Deram surra de bainha

No cabo Canaveral

Um mulato izoneiro

Astronauta visceral

Com tabefe ele sumiu

No espaço sideral

Duas casaca-de-couro

Piaram em riba da telha

“Uma grita, outra responde”

Com sua asa vermelha

Deram um tiro na bichinha

Que queimou a sobrancelha

Tomando chá de groselha

Um papangu de novena

Feio feito uma guariba

Bicho da gota serena

O chapéu tinha um buraco

Onde saía uma antena

Esse entrou em quarentena

Depois de levar uma surra

Despacharam o pobre diabo

Amarrado numa burra

Empalado em pau-espinho

Que nem puxa nem empurra

Um sujeitinho caturra

Chamado Zé do Angá

Quis botar chifre em Aníbal

Que já andava gagá

A confusão aumentou

Naquele grande fuá

Essa mulher do Aníbal

Não era de brincadeira

Braba feito uma serpente

Jararaca dormideira

Disse: “me tenha respeito

Que não sou mulher dadeira”

“Seu filho de chocadeira

Eu vou lhe propiciar

Um tratamento severo

Com esse pau de jucá

Você hoje aqui apanha

Até a gata miar”

Eu sei que Zé do Angá

Entrou na lei da porrada

E como só tinha Zé

Naquela quente latada

Gritaram: “acunha em Zé!”

Sobrou muita chibatada

Zé de Baixo, por ser frouxo,

Apanhou de Zé de Riba

Zé Pilão e Zé Maleta

Acunharam em Zé de Giba

“Quem for Zé nesse forró

Ou leva pau ou arriba”

Como nessa Paraíba

O pau que mais tem é Zé

Foi tanto nego apanhado

Que não se punham em pé

Pra saber que gariroba

Não é coco catolé

Nessa confusão de Zé

Inda cobraram a cota

Quem fosse zé não pagava

Deu-se então a bancarrota

Zé Cotó, dono do baile,

Empenhou-se no agiota

Quem me contou a lorota

Foi o Jackson do Pandeiro

Piolho de cabaré

Músico aventureiro

Que depois foi proclamado

Rei do ritmo brasileiro.

www.fabiomozart.blogspot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 12/12/2018
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