Olhos que não vêem.
Muitos cegos muito enxergam
Até mais que quem tem olhos
Muitas verdades albergam
Para fugir dos abrolhos
Das batalhas que eles herdam
Tiram lições dos escolhos.
Na verdade enxergam muito
Com os olhos que não têm
Traçam o próprio circuito
No infindável vai e vem
Tem o senso como intuito
Para ouvir e falar bem.
Usam o olhar da alma
Pra fazer indagação
Trazem no semblante a calma
Fruto da dedicação
Que vem do que lhes acalma
Com a voz do coração.
São os cegos de nascença
Que o destino negou luz
Mas que com sua presença
Mostram que a paz conduz
Com enorme paciência
Também levam a sua cruz.
Neles há sombra no corpo
Mas a alma está brilhando
Se há um amigo morto
Eles logo vão chegando
Pra dizer que ele está solto
E da luz se aproximando.
Quando vão ao futebol
Levam bola preparada
Vão fazer dela um farol
Pra poder dar gargalhada
Como dama de escol
Não pode ser maltratada.
No momento de rezar
Todo cego é otimista
Pede a Deus para mandar
Alguém que a sombra resista
Que aceite cooperar
Com alguém que não tem vista.
Nos momentos de lazer
Cada um quer dar de si
Auxilia com prazer
Quem está fora de si
Diz o que pode fazer
Para quem não mora ali.
Eles são também normais
Só lhes falta ter visão
Noutros sentidos são mais
Perito que a multidão
Nunca diz nada demais
Tentam ter compreensão.
Se alguém quer ajudar
Não lhes diga o que fazer
Basta o seu ombro dar
E deixá-lo perceber
Ele vai te acompanhar
E depois agradecer.
Cegos somos todos nos
Que não vemos à nossa frente
O irmão que vem após
Nosso olhar indiferente
Que pensando estar a sós
Nos ensina humildemente.
Sendo cegos na leitura
Eles dizem sabiamente
Que não há noite escura
Escura é a nossa mente
Que jamais a luz procura
Pra ficar mais diligente.
Eles têm seu alfabeto
Suas regras de estudo
Alguns têm seu dialeto
Outros querem saber tudo
Alguns têm filhos e neto
Vivem abandono agudo.
Eles têm numa bengala
O auxílio necessário
Para não cair na vala
Ser chamado de otário
Se chamado ele se cala
É o seu penar diário.
Cegos sempre nos seremos
Mesmo que enxerguemos bem
Com a visão que recebemos
Não vemos os que não têm
De olhar nos esquecemos
Sendo assim cegos também.
Ao seguir no universo
Sou um cego a caminhar
Meu caminho é adverso
Ouço consigo avançar
Com alguém sempre converso
Para ele me guiar.