A RAINHA E O QUERUBIM

Num certo mundo encantado

não sei se daqui da Terra

existia um reinado

que vivia em pé de guerra

Falavam muito de Paz

mas muitas armas faziam

Menino, moça ou rapaz

a lutar bem que aprendiam

O Rei só guardava ouro

sem se importar com o povo

Era grande o seu tesouro

tudo belo, tudo novo

Em terras perto ou distante

tudo era saqueado

e o povo a todo instante

vivia mui revoltado

O Rei com sua arrogância

não se importava com nada

Maior era sua ganância

quando via a burra inchada

Do outro lado do mundo

um homem lá do deserto

preparou um mal profundo

que eu nem quero estar por perto

Armou uma grande seta

com ferro, fogo e fifó

e destruiu o alfa e o beta;

do reino não teve dó

As torres do rei cairam

como cartas de papel

e as riquezas sucumbiram,

não ficou nem um anel

O rei ficou furibundo

chamou os homens pra guerra

e numa fração de segundo

não houve paz nesta terra

Todos os homens partiram

deixando as mulheres sós

que nem meninos pariram,

mordiam cordas e anzóis

A Rainha enlouquecida

em seu castelo trancada

não tinha mais a boa vida

que seu Rei propiciava

Não ficou homem nenhum

pro prazer ou pro deleite;

nem mesmo da vaca Zum-Zum

das tetas saía leite

Foi um inferno, uma secura

que a Rainha enfrentava

e só nos sonhos a frescura

o seu ardor aliviava

Numa noite de sonho louco

daqueles que não tem fim

apareceu pouco a pouco

um anjo, um Querubim

A Rainha alucinada

quando viu belo mancebo

não quis dar tempo pra nada

fez coisa que eu nem percebo

Se ajoelhou bem contrita

em doce e pia oração,

segurou firme a bendita

e fez logo uma louvação

E de quatro pediu mais

com muita fé no seu anjo

quis benzer os animais

e cantava ao som do banjo

Sofrendo assim com prazer,

relembrava do Calvário

e repetia em querer

rezar um outro rosário

Não parava a rezaria

enquanto galgava a parede

pensava em romaria

no céu, na cama, na rede

O Querubim mui astuto

fazia-se de muito rogado

calado como um matuto

abençoava o afogado

Deixou as asas de lado,

puxou o cabelo pra trás

e assim o bom safado

fez cara de Satanás

Inventou uma ladainha

trás-pra-frente, frente-atrás

e abençoou a Rainha

que ficou a pedir mais

A Rainha de joelhos

fazia assim penitência

sem se importar com bedelhos

ou ao anjo pedir clemência

Pegava o santo com gosto

orava pro Rei e pra luta

Sem querer nenhum desgosto

levava o santo pra gruta

Com o livro de oração

recitava o rosário

Piedosa, pelo chão,

rezou atrás do armário

O anjo jogava água benta

ficava assim ensopado

Foi uma, duas... sessenta!,

deixando tudo molhado

E assim passou essa noite

com o bom anjo, o Querubim

com santas coisas de afoite

nada de coisa ruim

No outro dia a Rainha

acordou aliviada

relembrou a ladainha,

sentiu-se santificada

Pra seu prazer e alegria

foi anunciada a Paz

e voltou-se ao dia-a-dia

no Reino de Satanás