UM CANTO DE LIBERDADE
UM CANTO DE LIBERDADE
Francisco Luiz Mendes
Quando Deus fez esse mundo
Com a sua criação
Deu-lhe total liberdade
Sem nenhuma restrição
Cada um no segmento
Conforme sua opção.
Tanto para o ser selvagem
Quanto para o ser humano
O livre-arbítrio é tudo
Rótulo cotidiano
E sem esse tal direito
O viver é puro engano.
A vida só é bonita
Quando se tem liberdade
Tudo é contagiante
No rol da humanidade
O mundo já se transforma
Em prol da civilidade.
Porém, nem tudo são flores.
Aqui na vida terrena
Tem aquele que é do bem
Tem aquele que envenena
De tal modo se convive
Nesse teatro de arena.
Aqui neste nosso mundo
Veja quanta ironia
Duas vidas que convivem
Numa mesma moradia
Uma, livre, leve e solta.
Outra rogando alforria.
Essa é mais uma história
De um ser aprisionado
Numa pequena gaiola
Na parede pendurado
Ao bel-prazer de Dodô
Cantava ele amargurado.
Certo dia esse senhor
Lá naquela manhãzinha
Escutava bem ao fundo
Aquela voz bem baixinha
Contudo, não conseguia.
Aperceber de onde vinha.
Levantou-se bem ligeiro
Lá se foi verificar
Mais alguns passos à frente
Para melhor escutar
Para saber de onde vinha
Esse tristonho piar.
E para sua surpresa
Deparou-se com o piado
Vinha daquela gaiola
Pássaro aprisionado
Foi na sua direção
Coração já acelerado.
Se achegando da gaiola
Do cantor prisioneiro
Estava aquele coitado
Abatido no poleiro
Seu olhar denunciava
O motivo verdadeiro.
Nessa tristeza danada
Esse senhor quando o viu
Consigo disse: - Oh, meu Deus!
Que houve com o Tiziu?
Ontem cantava tão bem,
Hoje pouco o bico abriu.
Diante tal vocativo
Para o pássaro indagou:
- Querido cancioneiro
Por que hoje não cantou?
Todo dia de manhã
Você sempre me acordou.
Tiziu nada respondeu
Preferiu ficar calado
Só ele muito sabia
Porque ficara emburrado
Daquela triste gaiola
Tava ficando enjoado.
Novamente esse senhor
Sua pergunta insistiu
- Fiz um questionamento
Mas calar-se preferiu.
Responda-me, por favor.
Oh, meu querido Tiziu!
- Você quer mesmo saber?
Tiziu assim respondeu.
- Eu vou lhe dizer porque
O meu canto não se deu.
Eu não estou mais a fim
De fazer desejo seu.
- Que maldade essa sua
Oh, meu velho, e caro amigo.
Eu sempre lhe tratei bem
Jamais lhe faltou o trigo
Agora me vem com essa
Não faça isso comigo!
E muito tempo já faz
Que conosco você mora
Você sabe muito bem
Que o nosso filho lhe adora
Ele até me confessou
Que pra você, até ora.
- Tá querendo me abalar
Nunca que vai conseguir.
Tiziu disse: - Meu senhor!
Você quer me ver sorrir
Dê-me a minha liberdade
Daqui eu quero sair!
Cantarolando nos prados
Muito feliz eu vivia
Lá, sim, livre, leve e solto.
Eu cantava de alegria
Ao lado de minha amada
Tristeza não existia.
- Não vai ser possível não
Fazer a sua vontade!
Respondeu assim, Dodô.
Com a cara de maldade
Nem mesmo você pedindo
Ao vosso Deus por piedade.
- Tiziu esqueça essa ideia
E eu volto a repetir
A nossa casa é a sua
Você não tem pra onde ir
Por que tão somente agora
Deste lar querer partir?
Mas pro senhor respondeu.
Tiziu disse: - Eu nunca quis
Residir neste seu lar
Sem brilho, e sem matiz.
E foi você quem me trouxe
Pra este lugar infeliz!
No mato, eu residia.
E era muito feliz
Batia as asas, voava.
Tudo que eu queria, fiz.
Preso aqui nesta gaiola
Meu viver tá por um triz.
- Oh, meu querido Tiziu
Para que se lamentar?
Disse-lhe o passarinheiro:
- Não tem do que se queixar
Eu preciso urgentemente
Que você volte a cantar.
- Eu já estou com saudade
Desse seu lindo cantar
Lá naquelas manhãs frias
Eu ficava a lhe escutar
Com o seu canto agradável
Eu tornava a cochilar.
Mas Tiziu sequer deu bola
Pra sua dor de cotovelo
Disse: meu caro senhor
Agradeço-lhe seu zelo
Mas não pretendo atender
Mais este seu bobo apelo.
Pensou mesmo que eu cantava
Somente pra lhe agradar?
Enganou-se meu senhor
Cantava pra protestar
Minha total liberdade
Desde que entrei no seu lar!
- Você é cara de pau!
O Dodô se lastimou.
Pois bem! Por todo esse tempo
Você só me engabelou
E só por esse motivo
Esse castigo lhe dou.
Vou cortar sua ração
Deixar só pela metade
Também seu banho de Sol
Conforme minha vontade
E uma semana de escuro
Por sua deslealdade.
- Essa barbárie comigo
Você não pode fazer.
Logo Tiziu contestou.
- Pior pode acontecer
Diante do seu castigo
Posso até mesmo morrer.
Respondeu o passarinheiro:
- Nada importa para mim
Eu estou com muito ódio
Eu só quero ver seu fim
Só por você ter agido
De má-fé comigo, assim.
Tiziu disse: - Caro amigo
Escute-me, por favor.
Esqueça todo esse ódio
Assim como esse rancor
Não era minha intenção
Causar-lhe tanto furor.
E continuou Tiziu:
- Precisa dialogar!
Tenho ótima proposta
Você tem que me escutar
Garanto que dessa vez
Você muito vai gostar.
- Não sei se quero lhe ouvir!
Ainda estou rancoroso
Você já zombou de mim
Eu fiquei muito nervoso.
Retrucou assim o Dodô
Com cara de desgostoso.
Espero que essa proposta
Venha mesmo me agradar
Contudo, caso contrário.
Você pode se danar
Então, por favor, me diga
O que tem pra me falar?
- Você vai se comover.
Assim Tiziu respondeu.
- O que eu quero lhe falar
Também é do gosto meu.
Aliás, é muito mais
Para o regozijo seu.
Pois bem! E preste atenção
O que vou comunicar
Horas atrás me pediu
Que eu voltasse a cantar
Eu estou disposto sim
Porém, deixe-me explicar.
Faz muito tempo que eu
Vivo no seu casarão
Aqui cheguei bem mocinho
Cresci, fiquei, rapagão.
E para o meu desconforto
Eu vivo num alçapão.
- Tiziu se explique melhor!
O Dodô lhe interrompeu.
- Não sei aonde quer chegar
Com esse blá-blá-blá seu
Agora quem tá confuso
Juro, é verdade, sou eu!
- Eu explico, e com prazer!
Tiziu deu sua versão.
- Eu volto a cantar de novo
Na seguinte condição:
Desde que vossa pessoa
Me livre dessa prisão!
Ainda lhe digo mais
Pela manhã todo dia
Eu venho aqui lhe acordar
Nesta sua moradia
Comigo inclusive vem
A minha amada Sofia.
O que me diz da proposta?
Tiziu pro Dodô indagou
Pense com muito carinho
Ajudar querendo estou
Só depende de você
Se cantar ainda vou.
Meu caro amigo Tiziu
A sugestão não é ruim
Eu preciso dum tempinho
Checar tim-tim por tim-tim
Para escolher, e sem medo
Lhe dizer um não ou sim.
Não quero ser machucado
Tampouco lhe machucar
Não é fácil para mim
De você me separar
Até já me acostumei
Mesmo sem você cantar.
- Meu caro passarinheiro!
E disse-lhe Tiziu assim:
- A mesma saudade sua
Também diz algo pra mim
Mas se eu ficar na gaiola
Será o seu e o meu fim.
- Tiziu você tem razão!
O Dodô pensou ligeiro.
A partir deste momento
Não é mais prisioneiro
Você agora está livre
Deste velho cativeiro.
E a porta da gaiola
Foi o Dodô quem abriu
E imediatamente
O encarcerado saiu
Cantarolando nos ares
Bateu asas, o Tiziu.
Quer chova, quer faça Sol
É aquela sinfonia!
Lá na casa de Dodô
Pela manhã, todo dia
Bem orquestrada nas vozes
Do casal, Tiziu e Sofia.
FIM.