O CACHORRO JUPI E A RAPOSA MALENA

O CACHORRO JUPI

E A RAPOSA MALENA

Francisco Luiz Mendes

Nos meus tempos de menino

Falavam de Curupi

Fábulas de Caipora

De Boitatá e Saci

O que não me sai de cena

É o da Raposa Malena

Com o Cachorro Jupi.

Ficais atento leitor

Pro conto que vou contar

Essa lembrança jamais

Oculta podia ficar

Com cuidado dissolvi

Foi aí que resolvi

Neste cordel registrar.

Quem é que não se lembra

Lenda do Rato e o Leão?

A parábola infantil

Que despertou multidão

Seja qual foi o ledor

Ainda guarda com fervor

Essa bela narração.

O Leão assim sendo

Majestade dos animais

O Jupi por sua vez

Querido nos arraiais

Além disso grande ator

O mais completo cantor

Adentre seus ancestrais.

Nos festivais e bailes

Jupi sempre o escolhido

E muito requisitado

Aliás, o mais ouvido.

No entanto, o rei da floresta

Quando fazia uma festa

Jupi era o preferido.

Ainda muito aclamado

Quando estava em cena

A plateia feminista

Inflamava-se na arena

O seu jeito carismático

Atencioso e simpático

Atrai a Raposa Malena.

De Lena era versada

Pelas suas companheiras

Ainda a mais sedutora

Dentre todas as solteiras

Chamava mesmo atenção

Lá na sua região

Além de outras fronteiras.

Lena gostava de festa

Era fã de uma balada

Onde ela estivesse

Era muito paquerada

Balançava os corações

Casados e solteirões

Em meio a cachorrada.

Amada de tal maneira

Por toda a redondeza

Tratavam-lhe com afago

Parecia uma princesa

Seu cartaz corria chão

Rádio e televisão

Louvavam sua beleza.

Com todo o seu carinho

A todos dava atenção

Diante tantos assédios

Sempre teve educação

Portava-se com postura

Retribuía doçura

Aos seus fãs da região.

Certa ocasião Malena

Com Jupi se deparou

Ficara toda sem jeito

Quando dele se achegou

Seu coração desembesta

Feito o cão da molesta

E aí tudo começou!

Uns flertes foram trocados

Entre Jupi e a Malena

Ela ficou assanhada

Igualmente uma hiena

Durante o galanteio

Jupi fica um tanto alheio

Motivado pela cena.

Jupi ficou desatinado

Diante tanta emoção

Há muito tempo que ele

Tinha-a no coração

Pois a hora era aquela

Para fazer para ela

A sua declaração.

Dedicou-lhe uma balada

E Malena estremeceu

Ela ficou toda trêmula

Jupi logo percebeu

Dela já se aproximou

Em seguida revelou

A ela todo o amor seu.

Amanheceu noutro dia

A notícia estampada

No folhetim da semana

Era a mais comentada

Aquela canção de amor

Jupi expôs com primor

Pra saruê mais cobiçada.

A notícia se confirma

Pelo cachorro Bodó

Jupi e a Raposa Malena

Admitiam o xodó

Algumas fãs adoraram

Logo outras discordaram

Desse seu borogodó.

O cão Cotó não gostou

Primo dum certo Goiti

Sabendo da novidade

Esbravejou quão Quati

Revelou para um amigo

Que Jupi corria perigo

Se o topasse em Cajati.

O cão Surubi escutou

Aquela insana ameaça

Pra Jupi e Malena avisa

Evitassem ir à praça

Porque o cachorro Cotó

Com o seu amigo Pitó

Planejavam uma desgraça.

Jupi ficou sossegado

Tão tampouco se abateu

E nem sequer deu ouvido

Que o cão Cotó prometeu

Lena também nem ligou

Do fuxico que rolou

Daquele namoro seu.

Nem Romeu e Julieta

Foram assim badalados

Feito Jupi e Malena

Estiveram tão falados

Foi o maior sururu

No Sítio Caramuru

Sobre os dois enamorados.

Lá no império dos bichos

Havia rivalidade

Fofoca corria solta

Junto à animalidade

Foi lá na Aldeia Pequi

Que nasceu esse quiquiqui

Minando a comunidade.

Lena estava jururu

Triste que só um socó

A balela circulava

Para as bandas de Caicó

Em público pouco via

Jupi em sua companhia

Comentava o cão Mocó.

Ela chama o cão Bodó

Pra ele abre seu coração

Assim disse caro amigo

Estou de cara no chão

Abatida e acabrunhada

Até decepcionada

Sobre boato de traição.

Diante esse desengano

Ela faz um juramento

De se vingar de Jupi

Esperava só o momento

O que ela planejava

Só com desforra fechava

A dor do seu ferimento.

Perante o noticiário

Jupi diz ser inocente

Foi vítima de calúnia

Na boca do concorrente

Jurou a pele salvar

Sua inocência provar

Para Malena e parente.

Mediante esse episódio

Dessa falação geral

Uns diziam que Jupi

Era muito imoral

Já outros o defendiam

Até testemunhariam

Se precisasse, afinal!

Jupi sempre foi do povo

Malena sabia disso

Era bem assediado

E cheio de compromisso

Contudo, entre os amigos.

Encontram-se os inimigos

Porém ela não via isso.

É magia Jupi pensou

Para abolir meu cartaz

Vou à Tenda de Umbanda

Do cachorro Pai Tomaz

Só ele pode me ajudar

Tal cafifa desvendar

E acabar o leva e traz.

Pro capataz Lena pede

Levar recado a Jupi

Diga que estou lhe esperando

Lá no Salão de Fifi

Para ele não demorar

Ainda quero passar

Lá no Grêmio Patropi.

Para aquele vilarejo

Esse capataz marchou

Ele não foi muito longe

Com Jupi se encontrou

Na casa da amiga Nena

O recado de Malena

Logo lhe comunicou.

Em seguida o cão Jupi

Ao seu encontro saiu

Ficou muito agitado

Quando o recado ouviu

E logo pensou consigo

Hoje acaba o castigo

Que Lena me atribuiu.

E logo que lhe encontrou

O sorriso distendeu

Para ela abriu seus braços

Proferindo o nome seu

Contido pela emoção

Diz: - Lena meu coração

Pois sempre lhe pertenceu.

Comovida ela se sente

Mesmo estando magoada

Pois, não deu demonstração.

Que estava preocupada

Fez Jupi acreditar

Que ela iria lhe amar

Mais ainda apaixonada.

Estava armada a arapuca

Jupi bem debaixo dela

Malena a própria isca

De plantão na esparrela

Ele muito se encantava

Cinicamente ela equipava

O seu plano com cautela.

Cachorro Jupi já estava

Cegamente apaixonado

Ele nem sequer notara

Que o perigo tava ao lado

Diante tanta paixão

No meio da multidão

Anunciava o seu noivado.

Congratulado ele foi

Pela plateia presente

Todo instante se declara

Para Malena, evidente.

Ela nada lhe dizia

Mas simplesmente sorria

Toda disfarçadamente.

Intimamente ela estava

Ainda muito amargurada

Tentava esconder a dor

Na face agoniada

Mesmo assim se confessou

Será que eu não estou

Sendo-me precipitada?

Em meio àquela dúvida

Sente, ódio e rancor.

E para si própria diz

Lá do seu interior

Já tomei a resolução

Ouvirei meu coração

Só eu sei da minha dor.

Jupi seguia a fazer show

Por toda a redondeza

Em cada canção cantada

Discorria com franqueza

Lena era a preferida

A musa de sua vida

Na alegria e na tristeza.

Diante sua elegância

Lena quase se rendeu

Aos impulsos de Jupi

Sutil coração bateu

Porém o que tinha em mente

Era mais forte e atraente

Do que quando o conheceu.

Quando ela se deu de conta

Do grau da situação

Lena imediatamente

Aí lembrou da traição

A lembrança descortês

Pulsava nela outra vez

Como lavas de um vulcão.

Jupi não tinha clemência

Assim refletiu consigo

Sendo verdade ou mentira

Ele merecia um castigo

Ela sabe o que passou

O quanto se envergonhou

Ante a família e amigo.

Ficara ele sem amparo

E sem prestígio também

Mediante as suas fãs

Tornara-se um zé-ninguém

O admirável cantor

De relevo e esplendor

O tratara com desdém.

Um vintém não valeria

Pela coletividade

Assim queria Malena

Vê-lo sem identidade

Simplesmente, pois, seria.

Tão somente um cão de guia

Longe de sua cidade.

Ela agiu sem compaixão

Botou seu plano em prática

Primeiramente o induziu

De maneira carismática

Disse: você está obeso

Muito acima do peso

Para uma vida acrobática.

Pra sua voz ficar grave

Ela deu a sugestão

Disse: meu caro Jupi

Ouça-me, e preste atenção!

Pra melhorar o seu canto

E tornar-se um espanto

É bom ter um vozeirão.

Falo de uma cirurgia

Nos seus flancos labiais

Jupi assim lhe rebateu

Isso eu faria jamais

Saiu com essa gaiatice

Para mim isso é crendice

Eu já canto bem demais.

Como crendice Jupi

Malena lhe respondeu:

Deves atualizar

Pra somar o cartaz seu

Eu não estou acreditando

Que você está rejeitando

Esse simples rogo meu.

Engano seu - contradisse

Estou pronto pra aceitar

Se com essa alteração

Posso até melhor cantar

Com o meu consentimento

Consulte o Doutor Bento

Se ele pode me operar.

Melhor médico do país

Comentam o seu talento

Ela disse pra Jupi

Não confio nesse Bento

Dizem que o cirurgião

Quase manda pro caixão

O seu primo Sacramento.

Porém, não se preocupe.

Do seu lado vou estar

Quero estar presentemente

Assistindo lhe operar

Pra você eu lhe garanto

Sua voz e o seu canto

Melhor ainda ficar.

Copiar-lhe dificílimo

Você é filho de Tupi

E vai fazer muito show

No Vale de Tucupi

Com certeza memorável

Aclamado inimitável

De o grande cão Jupi.

Ouvir isso é muito bom

Malena minha querida

E de mim o que seria

Sem você na minha vida?

Você sabe muito bem

Hoje mais do que ninguém

És a minha preferida.

Ela, no entanto, pensou.

Do seu plano desistir

Dele sente compaixão

Lá se põe a refletir

Mas estava enfeitiçada

Pela ira dominada

Não podia se omitir.

Não dava pra recuar

Dessa louca decisão

Lena estava aborrecida

Fora de sua razão

Diante da insensatez

E pela primeira vez

Evidencia apreensão.

A operação se concluiu

Jupi logo reagiria

A nota rapidamente

Espalha igual ventania

Ficam-se questionando

E o zunzum aumentando

Sobre a sua cirurgia.

Foi aquele corre-corre

Na entrevista do Doutor

Todos queriam saber

Como estava o cantor

Boa parte emotiva

Além disso apreensiva

O que ele expositor.

Uma fã de Jupi diz

Vi e ouvi na televisão

O comentário foi sobre

O tipo de operação

Se não tiver os cuidados

Órgãos são degenerados

Causando complicação.

Um bobão foi o Jupi

Bembem ali esperneia

Ouvi Lena comentar

Com sua amiga Baleia

Que ia se vingar dele

Mesmo sabendo que ele

Seu coração ainda anseia.

E Bembem continuava

Bem assim ela falou

Depois dessa operação

Jupi fica só no ouou

Quando ele a voz emitir

Não vai cantar, vai latir

Vai ser aquele rourou.

Vejam que barbaridade

Cadela sem coração

Resmungou o cão Patropi

Que patada de leão

Eu tava desconfiado

Antes senti algo errado

Com essa operação.

Da região alguns fãs

Recriminaram Malena

Diante o que ela fez

Toda imprensa a condena

Até seu irmão Catatau

Apelidado anjo-mau

Criticou sua irmã Lena.

Após sofrer ameaças

Ligeiro ela se isolou

O fã clube de jupi

Uma ação logo lançou

E por todos os recantos

A prêmio aos quatro-cantos

Sua cabeça botou.

Malena ficou sabendo

Da ira dos opositores

Tratou de se esconder

Vila de Chico das Dores

Pra pedir-lhe proteção

Escapar de uma agressão

Jupi e admiradores.

O chefe desse arraial

Sabendo do acontecido

Chamou, Malena e disse:

Não aceito o seu pedido

Diante o que tu fizeste

Pra aquele cabra da peste

Também fiquei ofendido.

Ela se escafedeu

E sem deixar paradeiro

A mídia isolou o capítulo

E divulgava o festeiro

Que tava pra acontecer

Pra varar o amanhecer

Lá no Clube do Trigueiro.

O palco estava armado

Plateia também presente

O locutor anuncia

Ali para aquela gente

O momento tão esperado

Para solteiro e casado

Ancião e adolescente.

A cena foi muito triste

Quando Jupi foi cantar

Sua voz não despontava

Não dava pra acreditar

Cada vez que a boca abria

Cada vez alto latia

Começam lhe gaiatar.

Malena sabia e bem

Esse mal que ela causou

O que ela tentou provar

Coisa alguma não provou

Sem amigo e sem guarida

Sentia-se alma perdida

Em desespero entrou.

Lentamente ela morria

A alma ardia feito forno

De angústia soluçava

Aumentando o seu transtorno

Sabia mais que ninguém

Do mal que fez ao seu bem

E não tinha mais retorno.

Aliás, de lá até cá.

Essas criaturas mortais

Os cachorros e as raposas

Não fazem acordos jamais

Em virtude dessa arenga

O afeto ficou capenga

Hoje são eternos rivais.

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 05/06/2020
Código do texto: T6968681
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