A VIDA DE SEU LULU

Quando eu vivia no interior

convivi com um senhorzin,

Meu avô, pai da minha mãe

de nome Seu Lulu Martins;

Ele morava no seu sítio

que era cheia de bichos e

de uma beleza sem fim.

O seu espírito de Ancião

tinha a graça da sabedoria,

Seu Lulu com voz roufenha

Lia pra mim o livro da vida;

Contando causos de trancoso

que não causavam alvoroço

por serem repletos de magia.

Ele contava sempre à noite

quando eu ia dormir no sítio,

Ouvindo o gorjear dos sapos

e o cricrilicar dos grilos,

Umas anedotas me alegrava

outras causavam ribuliço.

As vezes íamos para o quintal

isento da total escuridão,

Pela luz da lua que banhava

o sítio com claridão,

Nas cadeiras de balanço

ficava eu e o ancião.

Ali eu ouvia Seu Lulu com

Seu espírito mui tranquilo,

Narrar causos que deixava

o meu Ser calmo e ungido;

Ele era um tipo de Buda

que transmitia a paz sua

pra quem tivesse consigo.

A sua linguagem era mui rica

não no âmbito vocabular,

Só falava sobre o que viveu

ouviu ou sua mente fez criar;

Apreciar Seu Lulu falando

me dava a sensação dum banho

na mais límpida água do mar.

O sítio para Seu Lulu era

muito mais que um viridário,

“Se ele sair desse sítio

os males virão visita-lo”,

Os filhos diziam ser o sítio

que mantinha ele a salvo.

Pois neste lugar para Seu Lulu

não faltava nada pra ele fazer,

Porque o seu sítio necessitava

da presença d’algum ser,

Que se comprometesse em

cuidados com ele ter.

E Seu Lulu se comprometia

em dá o seu melhor,

Para deixar tudo bem limpo

distanciando do pior;

Aquele paraíso cheio

de animais e arvoredos

no sertão do Seridó.

Se crescia mato ele limpava

e as vezes chamava alguém

Para fazer algum serviço

em troca d’algum vintém;

Desde consertar uma cerca

até queimar umas madeiras

ou vacinar gados que tem.

Ele tinha um carro que usava

pra ir na cidade pomposo,

Todo sábado e bem vestido

com roupa social e lustroso,

Ia na feira comprar legumes

e os amigos ver quase todos.

Pedro do Doce e Mané Laranja

Totonho Grande e Seu Mané,

Dentre vários cujo nome

eram tão feios que “Batoré”,

Nutria por Seu Lulu amizade

tão poderosa quanto a fé.

Seu Lulu tinha um semblante marcado

pelas vicissitudes da vida,

Sem estudo desde pimpolho

a escola ele não conhecia;

Sempre teve que trabalhar

na roça pra sustentar

a família que possuía.

As suas mãos eram calejadas

decorrente da labuta no campo,

Nunca tinha saído do interior

o sítio pra ele era seu o canto;

De toda uma vida de trabalho

Seu Lulu tinha conquistado:

saber, família, um sítio e um bando...

...de gados que fora do curral

corria pelo sítio de Seu Lulu,

tocando sinos e deixando marcas

no solo abaixo dos pés de caju,

No sol era bem comum vê-los

pastando debaixo dos mulugus.

Uma vez Seu Lulu me chamou pra

ajudá-lo a pôr gados no curral,

Eu sabia que no bando tinha

um boi de espírito bestial, que

Já tinha chifrado meu primo

mandando ele pru hospital.

Só que eu não fui esperto

para inventar uma desculpa,

Fomos encontrar a manada e

o boi me olhou com fúria;

E correu com força suprema

escapei entrando na jurema

ficando cheio de arranhadura.

A boiada toda se agitou

e começaram a mugir

Até que Seu Lulu falou:

“venha todos me seguir!”;

Ficando eu pasmo quando

olhei todo aquele bando

de vacas e bois lhe seguir.

Outro dia ele me chamou pra ir

junto com ele tirar mel de abelha,

Bastou chegar perto da colmeia

pra eu ter quase uma caganeira,

Depois de levar aferroadas

na região da minha fela.

Seu Lulu extraiu as capas de mel

sem usar nenhuma proteção,

Com abelhas voando entorno

sem ataca-lo com o ferrão,

Como se ao invés de ameaça

ele fosse daquela população.

Outra vez vi-lo do outro lado do açude

montando em cima de uma vaca,

Levou-a até a beira da barragem

e entraram dentro d’água;

O restante do bando adentrou

na água e todos atravessou

até o lado onde eu estava.

Ele tinha um andando lento

as vezes andava de bengala,

Já tinha uns noventa anos

mas vigor não lhe faltava;

E a maior prova disso

é que ele cuidava do sítio

da madruga à noitada.

Era comum quando eu ia pru sítio

não vê Seu Lula na sua residência,

Mas bastava dá uma volta no mato

pra vê-lo fazendo com excelência,

Coisas típicas da vida no campo

como limpar mato e ordenha.

Seu Lulu também era engenhoso

na criação de engenhocas,

Muita coisa evitava comprar

preferindo fazer as próprias,

como ferrolhos e rastelos

melhores que os da loja.

Cristão e com muita fé em Deus

as paredes da sua casa eram cheias,

Das mesmas imagens de santos

que enchia as igrejas;

Ia pra missa nos fins de semana

e quando o coroinha pedia grana

Seu Lulu punha na bandeja.

O sítio dele era privilegiado

porque além ser perto da cidade,

Tinha natureza que era o bolo

onde a cereja era a barragem;

No inverno quando ia pra lá

o que eu adorava era pescar

apreciando aquela paisagem.

Quando só o azul preenchia o céu

lá a natureza ganhava mais vida,

A luz batia nas ondas do açude

e o movimento delas luzia,

no ritmo dos belos pássaros

que formavam uma sinfonia.

De vez em quando aparecia

um teiú de dentro da mata

Também saguis peludinhos

pelas árvores se aventurava

e sendo bicho venenoso

sem hesitar nós matava.

Quando eu levava meus amigos

apresentava pra Seu Lulu todos,

Dizia quem era o avô de quem

o Véi ria fazendo adolos, aos

avôs daqueles moleques

sua memória não s’esquece

por já ter conhecido todos.

Seu Lulu era muito conhecido

pela a população do Teixeira,

Apesar de ser caduco, com

ele não tinha eira nem beira;

Às vezes eu estando no sítio

aparecia alguém esquisito

tentando passar uma rasteira.

Só que Seu Lulu era mais esperto

e dava um drible como Pelé,

Na malandragem do atrevido

que tentava fazê-lo de mané,

A audição dele estava caindo

mas sua astúcia matinha de pé.

Dos oito filhos de Seu Lulu

só quatro morava perto dele,

Dentre eles a minha mãe que

constantemente visitava ele,

Minha Avó vivia na cidade

Há tempo separada dele.

Seu Lulu era aposentado, mas

nunca deixava de trabalhar,

Faça sol ou faça chuva, seja

na manhã ou quase no luar;

Era comum vê-lo pelo mato

cavando poço, tangendo gado

dentre as tarefas que fiz citar.

Uma vez vi Seu Lulu levantando

um tronco grande de ciriguela

Que ele havia retirado do solo

pra levar pru pomar que fizera;

O tronco era grande e pesado

mas só por ele foi carregado

por um décimo de uma légua.

Seu Lulu tinha autoridade

naquela sua imensidão,

Ele repudiava qualquer um

que fizesse sem permissão,

Qualquer coisa no seu sítio

como caçar d’arma na mão.

Há quem diga o Brigó que

uma vez foi pegar água lá,

No açude sem a permissão

do Seu Lulu que fez flagrar,

Antes de expulsar ele do sítio

ordenou a água derramar.

Se Seu Lulu fosse um galo

ele seria um galo com insônia,

Pois antes dos outros cantar

ele acordava com parcimônia,

Tomava o seu café e partia

prus afazeres do dia

com cultivada santimônia.

Eu sorria sempre que via ele

sorrindo alegremente,

Porque neste seu lindo gesto

ele exibia seus belos dentes;

De ouro que até brilhavam

quando a luz do sol tocava

deixando-os bem reluzente.

Eu penso que a nossa infância

tem o gráfico desse U em questão,

Tendo um auge na molequice

e outro quando ficamos ancião,

A prova disse era Seu Lulu

que me gerou essa percepção.

Como um inveterado cristão da roça

Seu Lulu acreditava que toda,

Chuva que caia do céu

equivalia a uma obra,

De Deus que fazia

toda a aridez ir embora.

Mas quando os dias sem chuva persistia

Seu Lulu apelava pra Deus,

Que mandasse chuva logo

pra que pudesse dá adeus;

Ao vasto solo árido

carente de orvalho

e mais morto qui’u breu.

E quando as chuvas vinham

na época do inverno,

A enxada Seu Lulu usava

no lugar do seu restelo;

Pra plantar muito grão

como milho e feijão

sob a brisa do galerno.

No decorrer do tempo

espigas de milho floriam,

Jerimuns preenchia o solo

vargens de feijão crescia,

De fartura enchendo o sítio

no círculo da noite e dia.

Por passarinhos do inverno

o sítio era visitado,

Como Chuvinhas e Bigodins

que cantavam pelos galhos,

De árvores preenchidas

por folhas esverdeado.

A minha mãe colhia os milhos

fazia pamonha e canjica,

Que satisfazia Seu Lulu

quando enchia sua barriga;

Seja no café, almoço ou ceia

pra ele não tinha pareia

comer o que Mãe fazia.

Como a ferida de Jesus Cristo

no inverno o açude sangrava

Trazendo luz pra Seu Lulu

que muito se contentava;

Quando comia os peixes

que eu pescava pra ele e

depois travava e fritava.

A energia dele não tinha fim

apesar dos seus noventa anos,

Só parava pra relaxar à noite e

após almoçar um farto rango,

Gostava de relaxar no quintal

sentado na cadeira de balanço.

Às vezes ele relaxava na rede

armada abaixo d’uma umbuzeira,

Quando eu via Seu Lulu lá, ele

estava há anos luz da estribeira

Cochilando bem contente, tendo

a brisa do vento de companheira.

Quando eu levava meus amigos

pra visitar aquele lugar,

Seu Lulu sempre nos convidava

para um desjejum realizar;

Junto dele na mesa da casa

enquanto o Véi contava

histórias de fascinar.

Uma vez eu e meus amigos matamos

uma gia que pegamos no poço,

Do sítio do seu Lulu

já bem perto do almoço;

Tramamos ela e fritamos

dizemos ao Véi qu’era frango

e ele a devorou quase todo.

Eu, os meus amigos e quem conheceu

o meu avô Seu Lulu Martins,

Ficou com a memória tão cheia

quanto rosas num jardim,

Repleta de lindas lembranças

daquele vivente Serafim.

O e fim deste cordel chega

com o fim do ciclo natural,

Que inicia quando nascemos

e se fecha no final,

Da nossa existência terrena

que habita o mundo real.

Havendo uns tempos já passados

E cuns anos a mais ele já tava

Lembro que voltei de São Paulo

E a notícia me foi dada

“No hospital ele tá internado”

Inda logo fui visita-lo

Lá vi-lo com tubos e de frauda

Sozinho em cima dum colchão

Ousei tocar no seu coração

Nisso senti umas batida fraca.

Muitos familiares caíram em prantos

Assim após uns quatro dias

Rente a notícia do desastre

Teve Vovô ido dessa vida

Isso não meu deixou triste

Noventa e seis anos, viste!

Seu Lulu viveu uma baita vida!

Santo André, 07 de Dezembro de 2021

Helenilson Martins
Enviado por Helenilson Martins em 07/12/2021
Reeditado em 07/12/2021
Código do texto: T7401838
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