ENOQUE & JANAÍNA

Peço ajuda nessa hora.
A minha Santa Peregrina,
Para contar nestes versos,
Uma história pequenina,
Que juntou os corações,
De Enoque e Janaína.

Uma história verdadeira,
Com um jovem sem temor,
Uma jovem rica e faceira,
Um pai conservador,
Uma fazenda gigante,
Muita luta e muito amor.

Na fazenda Riachão,
Que fica lá em Vertente,
Morava uma moça bonita,
Cheirosa muito atraente,
Filha de João Nicolau,
Coronel rico e valente.

O coronel João Nicolau,
Como assim era chamado,
Conhecido em todo canto,
Em todo canto respeitado,
Adorava aquela filha,
Como um noivo apaixonado.

Seu nome era Janaína,
Um doce de criatura,
Mas seu pai ignorante,
O próprio diabo em figura,
Falar namoro à menina,
Era cavar a sepultura.

Para estudar na escola,
Sozinha não ia não,
O coronel acompanhava,
Com seu cavalo alazão,
Ladeado por dois capangas,
Ronhentos que nem o cão.

Fazer compras na cidade,
Sozinha também não ia,
Tinha que ser com a mãe,
Raras vezes com a tia,
E um capanga acompanhando
De segurança e vigia.

O velho era orgulhoso,
E ostentava a vaidade,
De ter a maior fazenda,
Daquela localidade
Muito pasto e muito gado,
Na sua propriedade.

Mais de quinhentos capangas,
E um verdadeiro arsenal,
Composto por musquetões,
Rifle, espingarda e punhal,
Tinha até um canhãozinho,
Montado em rodas de pau.

Mais de duzentos vaqueiros,
Pra tomar conta do gado,
Todos de sua confiança,
Cada um mais bem armado,
Pois se tornarão capangas,
Se o local for atacado.

O coronel João Nicolau,
Dos poucos da região,
Que tratava bem empregado,
Fosse vaqueiro ou peão,
Pois tinha na filha donzela,
Sua grande preocupação.

Tinha também a esposa,
Para se preocupar,
Cinquentona muito atraente,
A mais bonita do lugar,
Pois podia a qualquer hora,
Um capanga lhe agarrar.

Mas por força do destino,
Na cidade de Condado,
Organizaram uma festa,
Daquela de montar gado,
E junto com a família,
O coronel foi convidado.

A festa era conhecida,
Como coisa de primeira,
E como sempre acontecia,
Foi festa a semana inteira,
Só terminou no domingo,
O dia da Padroeira.

O coronel não podia,
O convite recusar,
Pois era primo e compadre,
Do prefeito do lugar,
Que lhe mandou o convite,
Dizendo pra não faltar.

O coronel atendeu,
Ao convite do camarada,
E junto com a família,
Partiu sem reclamar nada,
Pois ele também gostava,
De festa de vaquejada.

Com a filha e a esposa,
O coronel chega a cidade,
E é logo recebido,
Pelo amigo e compadre,
Que lhe bota no palanque,
Junto das autoridades.

A festa tava enrolada,
Gente por todo lugar,
Pião montando no boi,
Sanfoneiro a tocar,
E muita gente dançando,
Fazendo a poeira voar.

A cidade toda em festa,
Tudo chamava atenção,
Janaína deixa o palanque,
Com a mãe dada a mão,
E vão até a igreja,
Rezar na celebração.

Todas as moças da festa,
Chamavam muito atenção,
Bonitas e bem vestidas,
Como na televisão,
Mas Janaína onde passava,
Causava admiração.

E voltando ao palanque,
O coronel já esperava,
Mas nem chegou perguntar,
Onde Janaína andava,
Pois em companhia da mãe,
Não lhe preocupava.

Acontece que no trajeto,
Quando da igreja vinha,
Um moço de terno branco,
De pistola na bainha,
Acompanhou Janaína,
Pra ver de onde ela vinha.

Tratava-se de Enoque,
Moço rico e educado,
Porém um cabra valente,
Também criador de gado,
Com fazenda em Sertânia,
E na cidade de Condado.

Janaína observou,
Que tava sendo olhada,
Pelo moço desconhecido,
E ficou desconfiada,
Só não pode disfarçar,
Que estava interessada.

Enoque se aproxima,
E sobe ao palanque também,
Olho fixo em Janaína,
Quase não ver mais ninguém,
Senta junto de seu pai,
Já que outro local não tem.

A atenção do coronel,
Tava toda no cercado,
Enoque aproveitou,
Para mandar um recado,
Perguntando a Janaína,
Se ela tinha namorado.

Foi um bilhete pequeno,
Pra ninguém desconfiar,
Mas o momento era apertado,
Para ela respostar,
Que fez apenas um sinal,
Mandando ele aguardar.

Janaína se afastou,
Em direção ao banheiro,
Que ficava afastado,
Lá no final do canteiro,
Só para responder,
O bilhete do fazendeiro.

Enoque também saiu,
Sem ninguém observar,
Foi cruzar com Janaína,
Na hora dela voltar,
E receber o bilhete,
Que ela ia lhe passar.

Disse ela em seu bilhete,
Eu não posso namorar,
Pois com toda a certeza,
Papai não vai aceitar,
Pois no pensamento dele,
Eu não devo me casar.

O tempo era apertado,
Não dava pra conversar,
Só trocaram quatro palavras,
Tiveram que retornar,
Pois era perigoso,
O coronel desconfiar.

Foi amor à primeira vista,
Como se diz na poesia;
Enoque disse eu volto,
Pra ver você qualquer dia,
Basta que você me diga,
Onde é sua moradia.

Na cidade de Vertentes,
Já chegando no Sertão,
Tem a Fazenda Vale Verde,
No Distrito de Boqueirão,
É lá que sou prisioneira,
Como um réu na prisão.

Não vá falar com papai,
Se esse conselho lhe toca,
Ele é muito ignorante,
Brabo que só cobra choca,
Que enfrenta até um leão,
Se atacar sua loca.

Enoque disse eu vou,
Só recuo se for castigo,
P´ra me casar com você,
Enfrento qualquer perigo,
Se seu pai não aceitar,
Carrego você comigo.

No outro fim de semana,
Como assim prometeu,
Ir visitar Janaína,
Enoque então resolveu,
E como era esperado,
Veja a confusão que deu.


Quando chegou na fazenda,
Já esbarrou no portão,
Com um capanga armado,
Que disse entre cidadão,
Mas deixe a arma comigo,
Que armado num entra não.

Enoque lhe respondeu,
Deixo com satisfação,
Pois vim tratar de negócios,
Onde estar o seu patrão?
Ou me leve até ele,
Se for sua obrigação.

O capataz disse dotor,
Pode entrar numa boa,
Pois aqui o coronel,
Fala com qualquer pessoa,
Se ele tiver dormindo,
Pode chamar a patroa.

Quando chegar na varanda,
Não precisa nem bater,
Veja aquele jagunço,
Ta lá pra lhe receber,
E comunica ao coronel,
Que tem gente para atender.

E assim aconteceu,
Quando Enoque encostou,
Perto ao portão da varanda,
O jagunço se levantou,
Disse bom dia seu moço,
Como anuncio o senhor?

Mas nem foi necessário,
Enoque se apresentar,
O coronel observava ,
Via ele se aproximar,
E mandou outro jagunço,
Com a visita falar.

O coronel disse a Bernardo,
Vá logo o moço atender,
Mande sentar na sala,
De-lhe água p´ra berber,
E depois que se acomodar,
Pergunte o que veio fazer.

Se for negócio de boi,
Tente logo resolver,
Diga o preço da arrouba,
P´ra comprar e p´ra vender,
Se ele não concordar,
Saio já, vou lhe atender.

Bernardo logo falou,
Se disponha companheiro,
Se veio aqui comprar gado,
Deve já trazer dinheiro,
Pois pela sua pinta,
Deve também ser fazendeiro.

Enoque disse amigo,
Você não vai entender,
Meu negócio é diferente,
E pode não acontecer,
Espero o coronel,
Ele é que pode resolver.

O coronel aproximou-se,
Com sua cara fechada,
E disse para Enoque,
Diga o que quer camarada,
Seja claro e seja breve,
Pois meu tempo é quase nada.

Enoque então respondeu,
Estou aqui como amigo,
É que gosto de Janaína,
Enfrento qualquer perigo,
E vim pedir a sua mão,
Para se casar comigo.

O coronel ficou pasmo,
Já quase perdendo a fala,
Disse a mão dela eu não,
Desocupe minha sala,
Janaína só sai daqui,
Se for tirada na bala.

Enoque retrucou,
Toda moça quer casar,
Seja à força ou na boa,
O senhor não pode empatar,
Porque ninguém cria filho,
P´ra quando morrer levar.

Enoque disse meu velho,
Vou mesmo me retirar,
Mas um dia voltarei,
O senhor pode esperar,
Só não levo sua filha,
Se conseguir me matar.

Eu também tenho fazendas,
Espalhadas no sertão,
Para reunir mil capangas,
Num demora muito não,
Breve estarei de volta,
Pra resolver a questão.

E assim os dois saíram,
Cada qual para seu lado,
O coronel saiu bufando,
Feito um sapo inchado,
Pois viu bem que Enoque,
Não é de mandar recado.

O velho saiu tão brabo,
Que parecia um leão,
Gritou alto pra Bernardo,
Vá pegar um mosquetão,
Avisando a macacada,
Que fique de prontidão.

Os tiros foram tão altos,
Que de longe se ouvia,
E começou chegar capanga,
De todo canto saia,
E o velho no meio gritando,
Acabou a calmaria.

A luta aqui vai ser feia,
Peguem arma e munição,
Aquele cabra é teimoso,
E metido a valentão,
Eu quero a cabeça dele,
Sem dó e nem compaixão.

Com os cabras de prontidão,
Esperando a contenda,
Mal se podia andar,
Pelo pátio da fazenda,
Era capanga pra todo lado,
Parecia até uma lenda.

Enoque dividiu,
Em dois bandos a capangada,
Botou um na linha de frente,
Outro ficou na estrada,
Pra atacar de surpresa,
Após a luta começada.

Enoque chegou,
Com seu bando bem armado,
Mas encontrou o Coronel,
Com seu povo preparado,
E começou o tiroteio,
Bala pra todo lado.

O coronel no meio do bando,
Gritava p´ra Damião,
Corta o pescoço dele,
Bota o cabra no chão,
Chico corra lá em cima,
Bote bala no canhão.

Enoque do outro lado,
Animava o pelotão,
Dizia atirem à vontade,
Temos muita munição,
Mas atirem na cabeça,
E se puder no coração.

Já duas horas de luta,
E ninguém recua não,
É gente morta por todo lado,
Sangue correndo pelo chão,
Mais nenhum dos contendores,
Querem perder a questão.

E o tempo vai passando,
E os capangas morrendo,
Muitas baixas dos dois lados,
Os dois lados enfraquecendo,
E do lado do coronel,
Muito cabra já correndo.

Enoque sente que é hora,
De resolver a parada,
Manda vir o pelotão,
Escondido na estrada,
São mais de 500 homens,
Treinados em emboscada.

O coronel sente a presença,
Dessa nova cabroeira,
Que não usa arma de fogo,
Briga de punhal e peixeira,
Grita para seu povo,
Não abandone a trincheira.

Porém àquela altura,
Só se escutava gemido,
E o bando do coronel,
Quase todo falecido,
Nem o canhão funcionava,
Tava todo destruído.

Só restava uma saída,
Ao coronel Nicolau,
Se não quisesse morrer,
Na ponta de um punhal,
Era acompanhar os capangas,
Fugindo pro matagal.


O coronel já cansado,
Mal consegue ficar de pé,
Corre pra dentro de casa,
Pois se entregar não quer,
E fica trancado no quarto,
Com a filha e a mulher.

Enoque manda seu bando,
Da fazenda se apossar,
Prender tudo que se mexesse,
Mas evitando atirar,
E destelhar a casa grande,
Para o coronel achar.

A casa tava vazia,
Buraco por todo lado,
Estava mais parecendo,
Um prédio mal assombrado,
E os capangas de Enoque,
Tirando todo telhado.

Com a casa descoberta,
Tudo dentro revirado,
Um capanga observa,
Que tem um quarto fechado,
E o coronel escondido,
Com Janaína de um lado.

O capanga chama Enoque,
Pra ver o acontecido,
Diz venha logo patrão,
Que o homem ta ferido,
Ele ta sangrando sangue,
De um lado do ouvido.

Enoque se aproxima,
Da posição indicada,
Não tem como abrir a porta,
Pois ela estar trancada,
Mesmo levando alguns tiros,
Continua bem fechada.


Enoque diz ao jagunço,
A porta é de madeira dura,
E deve ter trave por dentro,
Vai ser ruim a abertura,
Não adianta bater,
Atire na fechadura.

A porta não resistiu,
Ao tiro de mosquetão,
E Enoque disse ao cabra,
Não atire nele não,
Deixe a parada comigo,
Que vou pega-lo de mão.

Enoque pulou no quarto,
Veloz feito uma gazela,
E num passe de mágica,
Pegou o velho na goela,
Que não pode reagir,
Com o punhal na titela.

Não precisa me matar,
Gritou o velho assustado,
Fique com minha fazenda,
Com o dinheiro e o gado,
Leve o ouro do cofre,
E todo boi do cercado.

Pode levar minha filha,
Pois a briga foi por ela,
Eu dou a minha palavra,
Que Janaína é donzela,
E se quiser empregada,
Leve também a mãe dela.

Enoque disse eu não quero,
Seu patrimônio levar,
Só vim buscar sua filha,
Com ela quero casar,
Diga onde tem um padre,
Que mando logo buscar.


O coronel disse ta certo,
Tem o meu consentimento,
Não podia ser de outro jeito,
Lutar sozinho não agüento,
Padre Chico ta chegando,
E vai fazer o casamento.

Enoque saiu do quarto,
Mas deixou um sentinela,
Tomando conta do velho,
Da moça e da mãe dela,
E deu ordem para atirar,
Em quem forçasse a janela.

Mandou que outros capangas,
Fossem limpando o lugar,
Se achassem capanga vivo,
Terminasse de matar,
E fossem fazendo uma pilha,
Para depois enterrar.

Nessa hora chega o padre,
Com sua cara abusada,
Disse não caso ninguém,
Sob mira de espingarda,
Isso Deus não abençoa,
E não vai servir de nada.

Enoque disse seu padre,
Não quero mais confusão,
Faça logo o casamento,
Que é sua obrigação,
Ou meto já uma bala,
No meio de seu coração.

O padre ficou com medo,
Daquela situação,
Chamou os noivos num canto,
E num pequeno sermão,
Disse os dois estão casados,
Acabou a celebração.


Antes de partir de volta,
Enoque se ofereceu,
Para junto com os capangas
Apagar o que aconteceu,
Enterrando com um trator.
A capangada que morreu.

O coronel disse eu não quero,
Você pode viajar,
Tem muito cabra escondido,
Logo logo vão voltar,
E não vai demorar muito,
Fazer cova e enterrar.

Enoque então faz sinal,
Pra sua rapaziada,
Ta na hora minha gente!
E logo pega a estrada,
Com Janaína ao seu lado,
Na cela bem apoiada.

Vai terminando por aqui,
Essa história de coronel,
Verdadeira, todavia,
Muita alma foi pro céu,
E Janaína e Enoque,
Indo pra lua de mel.

Ainda hoje quem passa,
Pela fazenda Riachão,
Sente até arrepio,
De tanta admiração,
Com a metade da fazenda,
Plantada de cruz no chão.
limavitoria
Enviado por limavitoria em 06/01/2008
Reeditado em 22/01/2008
Código do texto: T805695