Acordar, dormir, acordar de novo (ou será que não?)

Naquela noite, eu fiz o que qualquer pessoa normal faz: deitei na minha cama, fechei os olhos e dormi. Tudo tranquilo. Até que lá pras tantas da madrugada, acordei com sede e vontade de ir no banheiro. Levantei, fui na cozinha, bebi água, fiz o que tinha que fazer e voltei pro quarto.

Foi quando a coisa começou a ficar esquisita.

No momento em que encostei na cama de novo, eu despertei. Mas dessa vez, despertei de verdade… dentro do sonho. Ou seja, eu achava que tinha acordado, mas ainda tava sonhando. Bizarro.

Olhei em volta, meu quarto parecia normal, mas tinha alguma coisa errada. Me levantei, dei alguns passos… e pum! Despertei de novo.

“Ah, não… de novo não,” murmurei, já desconfiando de tudo.

E era isso mesmo. Acordava e acordava, e ainda assim continuava dentro do sonho. Foram umas quatro vezes. Quatro despertares falsos. Cada vez mais real, cada vez mais confuso.

Na quinta vez, acordei perturbado. Comecei a fazer teste de realidade. Estiquei as mãos.

“Um, dois, três, quatro, cinco…” — contei meus dedos em voz alta, tentando manter a calma.

“Tá tudo aqui.”

Olhei pro teto, pras paredes, tudo parecia certo demais. E isso me dava mais medo ainda. Porque quando o sonho tenta te convencer de que é realidade… aí é que ele tá mais forte.

Foi aí que me convenci que tinha acordado. Respirei fundo, sentei na cama.

“Agora sim… vida real.”

Mas não.

Acordei de novo. Já tava cansado de tentar escapar. Então tomei uma decisão: dormir dentro do próprio sonho. Vai que…

Fechei os olhos ali mesmo. E dessa vez, quando despertei, o cenário tinha mudado. Não era mais madrugada. Era tarde. Aquela luz amarelada da janela me entregava a hora.

Andei pela casa, ainda meio aéreo, e de repente, uma voz feminina — baixa, calma, bem próxima — sussurrou no meu ouvido:

“Você está sonhando.”

Arrepiei. Na hora, tudo voltou na minha cabeça. Os falsos despertares, os testes, o desespero. Eu sabia que ainda estava preso. Mas agora, pelo menos, consciente.

Fui até o quarto da minha mãe. Ela tava sentada na beira da cama, e meu padrasto tava encostado na parede, meio distraído.

“Isso tudo aqui é um sonho. Eu tô sonhando, vocês são só… parte disso.”

Meu padrasto me olhou, deu um sorrisinho e falou:

“Se isso aqui é um sonho, não é você que tá sonhando. Sou eu. Você é só um personagem meu.”

Fiquei encarando ele, meio travado.

“Não, cara… não. Eu que tô sonhando com vocês. Vocês nem existem de verdade agora.”

Ele riu.

“É o que todo personagem diria.”

Sai de lá me sentindo ainda mais bugado do que antes.

Fui andando até a sala e, pra minha surpresa, Thacyellen, minha melhor amiga, tava lá. Sentada, comendo alguma coisa, do jeitinho de sempre. Me sentei na mesa com ela, sentindo que eu precisava contar alguma coisa. Algo muito importante.

“Thacy… eu preciso te falar um negócio.”

Ela olhou pra mim, com aquele olhar de quem sabe que tem coisa vindo.

“Fala. Tá tudo bem?”

Eu abri a boca, mas as palavras não saíam. Era como se tivesse um bloqueio. Só que ao mesmo tempo, eu sentia. Sentia que o que eu queria dizer era que eu estava sonhando. Que talvez, de algum jeito, ela pudesse me ajudar.

Será que era isso mesmo? Será que eu queria pedir ajuda?

E se fosse… será que mesmo sendo um personagem do meu sonho, ela conseguiria fazer alguma coisa?

Essa dúvida me corroía por dentro. Porque, ao mesmo tempo que ela era a Thacyellen de sempre, talvez ela não fosse ela. Talvez fosse só um fragmento da minha mente, uma memória em forma de gente. Mas ainda assim… era como se eu confiasse nela mais do que em qualquer outro ali.

“É que eu tô com uma sensação estranha…”

Ela franziu a testa, preocupada.

“Como assim? Você tá se sentindo mal?”

Antes que eu respondesse, dona Maria, amiga da minha mãe, apareceu na porta da cozinha.

“Lucas, tua mãe tá aí? Preciso falar com ela rapidinho.”

Suspirei, frustrado.

“Tá no quarto dela, dona Maria. Pode ir lá.”

Ela saiu, e Thacy me olhou.

“Então… o que você ia me contar?”

“Não sei mais…” falei, coçando a cabeça. “Era importante, mas… parece que desapareceu.”

“Quer tentar lembrar? Tô aqui.”

Abri a boca pra finalmente falar tudo…

…e acordei.

Desta vez, com o coração acelerado, suando frio. Tudo no quarto estava igual. A luz, o silêncio, o cheiro do travesseiro.

“É agora. Tô acordado.”

Mas será que tô mesmo?