POST IT - SINTAXE

– “Silêncio causticante, calor ensurdecedor”.

Era assim que Pedro gostava de se expressar. Para ele o dicionário continha poucas palavras para dizer todas as coisas materiais e, principalmente, falar de sentimentos e emoções. Como era trabalhoso inventá-las, dava-lhes sentidos diferentes, surrealistas. O importante era surpreender, chamar a atenção e fazer-se entender pelo impacto sonoro que causavam.

Considerava as oxítonas incisivas: pé, anzol, curió, você, cristal, lá. As proparoxítonas marcantes, duras, às vezes cruéis: trâmite (que palavra feia!), pernóstico, estábulo, frêmito, báscula, melífluo, êxodo, hipótese, último, esdrúxulo. Amava as paroxítonas: engraçado, alhures, amores, acaso, afeto, coragem, querida, menina, beijo, dólar, lápis.

Gostava de ver e ouvir as palavras mais do que simplesmente lê-las. A grafia, os diacríticos, a fonética marcante, a morfologia, a musicalidade, o arranjo das sílabas, o formato, a estética e quantidade de letras, o ritmo sincopado. Tudo lhe parecia mágico, atraente, cativante. Ler, para ele, era também sentir, ver e ouvir as palavras. Escutá-las.

Havia algumas, mais que outras, a representar melhor o objeto, o pensamento, ou a ação que descreviam. Melífluo, por exemplo, era uma delas. Urro, outra, quase onomatopaica. Rosa; vitrola; mambembe; aurora; pudicícia; vitória; destrambelhado; careca; perspicaz; viçosa, vocábulo que é uma graça, eram símbolos do ajustamento perfeito entre o significado e a representação.

A palavra perfeito, ela mesma, o melhor exemplo desse concerto melodioso. Outras, porém, descompassadas: pescoço; torresmo; cabresto; vândalo, esta, palavra linda, embora proparoxítona, que bem poderia referir-se à beleza e transcendência do luar em composição bem amoldada: “Uma noite vândala.” Que romântico!

Pedro, empolgado, depois de alguns momentos de silêncio, surpreendia:

– “Você hoje, meu amor, está uma celeuma de iguarias. Linda como um suspiro!”

Elza se desmanchava embevecida e sorria com todos os dentes; feliz, apaixonada. E Pedro corria novamente ao dicionário: ávido... sôfrego... pedinte...

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(07/05/2008)