És Macaco ou Leão?

És Macaco ou Leão?

Dias atrás fui ao zoológico com minha esposa e filhos. Quando estávamos em frente as jaulas dos macacos, em meio a várias pessoas, falei em alto e bom som aos pequenos:

-Não fiquem muito perto das grades, os macacos costumam cagar nas mãos e jogar nas pessoas.

Lembro que escutei essa frase a primeira vez quando era muito jovem e confesso que nunca presenciei essa cena. Quem sempre repetia essa frase era a minha finada e querida avó Filomena. Não sei se os macacos nunca fizeram isso ou se não sentem mais prazer em jogar o bolo no público, o mundo mudou muito nos últimos 30 anos, estariam os animais mais civilizados? Porém, permaneço mantendo viva essa lenda quando vou ao zoológico, principalmente para ver a reação das pessoas ali presentes.

Tenho que confessar que acho muita graça ao ver pais e mães segurando suas crianças ao se afastarem das grades. Afinal, quem quer sujar os filhos se pode isso evitar? Os meus filhos, por outro lado, ficam iguais as outras crianças, ficam curiosos. A maioria das crianças, ao invés de se afastar, aproximam-se ainda mais das grades, elas ficam cheias de expectativas para ver o macaco jogar cocô no povo. E nem percebem que elas fazem parte desse povo que será adubado. Segurei muito o riso quando uma mãe se agachando puxou sua filha, essa que se colava nas barras de ferro, dizendo:

-Vem, vamos ver o leão...

E ela tem razão, rei da selva tem classe, não jogaria nada em sua refeição.

O humor é interessante, para alguns não há graça em algo, para outros há e vice e versa. Acredito que o humor tem uma linha muito fina entre o aceitável e o ridículo, entre o jocoso e a imaturidade, entre o humor negro e a crueldade. Mas uma linha bem antes dessa é a de prejudicar o próximo. Se não prejudica está saudável. Claro, há quem se machuque até com um anúncio de produto para cabelos (nenhuma referência, só um exemplo mesmo), nesses casos o problema está no interior do ser frágil e não na realidade. Até um bom dia se torna uma agressão.

Mas voltando as palavras, eu estava com meu filho no mercado em outro momento. Em meio a alguma brincadeira eu falei que ele já tinha idade para servir ao exército ou trabalhar. Ele me respondeu:

-Papai, eu sou muito pequeno ainda, eu tenho apenas cinco anos, sou uma criança.

Olhei sério para ele e disse:

-Quando eu tinha a sua idade eu já trabalhava cortando cana quase o dia inteiro.

Claro que depois ele iria perguntar para a mamãe se era verdade e ela daria risada revelando que não, mas o que me surpreendeu foi um olhar.

Não dele, ele ficou pensativo. Me surpreendeu o olhar de uma mulher que estava passando por nós bem na hora em que falei isso. Ela escutou nossa conversa enquanto passava. Ela olhou para mim com um rosto cheio de dó. Eu não lembro de ter visto um rosto com tamanho dó em toda minha vida. Então ajeitei minha postura, como se eu fosse muito brabo e busquei a voz mais grave dentro de meu peito e, enquanto ela me olhava com dó (dó não, ela me olhava com as notas musicais inteiras, incluindo sustenidos e bemóis) eu disse olhando firme nos olhos dela: BOA TARDE! Ela me respondeu um: boa tarde... e saiu caminhando rumo a outro corredor qualquer meio reflexiva. Talvez ela pensasse como foi dura minha infância perdida em meio ao canavial, tendo como amigo apenas um facão velho enferrujado.

Eu não tenho dúvida alguma que ela contará isso para alguém. E servirá de exemplo para quem é preguiçoso ou reclama de barriga cheia. Em homenagem a ela tomei um caldo de cana com limão na rua Itupava aqui em Curitiba uns dois dias depois ao lembrar daquele dia.

Moral: Não acredite em tudo o que lê ou escuta por aí, as palavras tem poder de gerar ação, até quando são mentiras.