Dolores na Avenida Sete

Véspera de feriado em Salvador é sempre aquela confusão boa: gente na rua, buzina pra todo lado, o cheiro de acarajé brigando com o da loja de perfume barato e todo mundo querendo resolver a vida antes do descanso merecido do Dia do Trabalhador.

E lá estava Dolores — que não se chama Dolores, mas a gente vai proteger a identidade dela porque a cidade é grande e a fofoca também. Ela tinha ido na Avenida Sete resolver umas coisas. Comprou um vestidinho de oncinha, um batom quase vermelho e um bolinho de estudante que veio tão duro que dava pra usar como peso de porta.

Já na faixa de pedestre, parada direitinho, esperando o sinal fechar (porque ela ainda acredita em lei de trânsito, veja só!), veio a cena: dois homens carregando um móvel que parecia ter saído de uma mudança de última hora. Era grande, torto, e já vinha balançando igual perna bamba em escada.

Dolores, esperta, deu um passinho pro lado. Mas não adiantou. Salvador, às vezes, castiga quem tenta fazer tudo certo.

Foi num piscar de olhos: o rapaz da frente deu uma reclamada:

— Oxente, segure direito aí, veio!

O outro só gritou:

— Êta zorra!

E largou.

O móvel despencou como quem desiste da vida e caiu… adivinha?

No pé de Dolores.

A mulher dobrou o joelho na hora. Não chorou, não gritou, não xingou. Só fez um barulho esquisito, tipo engasgo de alma. Disse depois que sentiu até a bexiga tremer. Por pouco, não se mijou de dor.

E os carregadores? Foram embora, minha filha! Largaram o móvel no meio da calçada como se nada tivesse acontecido. Saíram correndo, rindo. Um deles ainda gritou:

— Vumbora antes que o bicho pegue!

Quem ajudou Dolores foi uma senhora do acarajé, que veio com água, e um camelô que improvisou um banquinho com a caixa de mercadoria. Colocaram gelo do isopor no pé da coitada — e ela só dizia:

— Eu devia era ter ficado em casa vendo novela...

Agora tá lá, com o pé pra cima, o vestido novo guardado, e o status no zap atualizado:

"Fui comprar um batom e ganhei um entorse de brinde."

E no fim das contas, a única que não vai trabalhar no Dia do Trabalhador… é ela