O jogo do amor

Já diz o ditado popular: “Azar no jogo, sorte no amor.” Talvez o famigerado dito — geralmente usado como consolo por quem acabou de perder alguma aposta —, ao se espalhar pela cultura popular, não tenha levado em conta a dinâmica afetiva da pós-modernidade. Se antes os interesses econômicos pesavam mais na escolha de uma parceria, hoje, o verdadeiro desafio é outro. A pergunta é: você tem o que é preciso para sobreviver ao jogo da sedução? Ou melhor — ao jogo do amor?

Logo de início, a primeira fase é se vender como alguém interessante o suficiente para merecer um “swipe” para a direita. “Quais são as cinco melhores fotos pra colocar?”, “Pareço eu mesmo nas fotos?”, “O que escrever na bio?” (limite: 500 caracteres, claro). Depois de muita dúvida, perfil montado com sucesso: duas fotos na praia (com bronzeado estratégico), duas em festivais alternativos (pra mostrar que sou descolado) e uma com meu cachorro (segundo a sabedoria popular, ninguém resiste). Na bio: “Pisciano com ascendente em sagitário. Nerd moderado. Aspirante a poeta. Advogado nas horas não vagas.” Sim, um desastre de 500 caracteres.

Agora é só aguardar... e dar umas roladas nos perfis, até que... “IT’S A MATCH!” Temos um potencial par romântico — ou, melhor dizendo, um oponente. E agora? Quem joga primeiro? Mando mensagem? Espero? E o que escrever? Um simples “Oi, tudo bem?” parece genérico demais. Melhor tentar algo mais criativo, só pra quebrar o gelo:

— E aí, muitos planos para o feriado?

Se houver resposta, é oficial: o ringue está aberto. Round 1. Fight!

A segunda fase é sustentar uma conversa minimamente decente por mensagem. Algumas parecem entrevistas de emprego: “Onde você mora?”, “Trabalha com o quê?”. Outras, mal passam do “Olá, tudo bem?” — “Tudo sim, e você?” — “Também.” Pior ainda são as que lembram formulários médicos: “Qual sua altura?”, “Você faz academia?”, “Quantos quilos pesa?”. E claro, as conversas unilaterais, que são as que mais me tiram do sério:

— E aí, tudo bem?

— Sim.

— Como foi seu dia?

— Bom.

Se, por milagre, a conversa flui, marcar um encontro parece uma boa ideia. Eis então a terceira fase (quase um chefão). Aí vêm as dúvidas: “Onde ir?”, “Como me vestir?”, “E se a pessoa não curtir ao vivo?” No fim, acaba sendo sempre a mesma coisa: um cinema com o filme mais comentado (sem surpresas), uma peça de teatro (pra parecer cult), ou um barzinho gourmet (com cautela nas bebidas, claro — ninguém quer dar vexame ou falar demais). Depois, pode rolar algo. Ou não. Só saberemos no dia seguinte... se não vier um ghosting : ou seja: game over!

Se o encontro evolui para algo mais, entra uma fase ainda mais delicada: manter o interesse sem parecer carente. Mas também não dá pra bancar o gelado — isso vira sinal de desinteresse. É preciso equilibrar aquele famoso charme. Afinal, o jogo exige estratégia. Devia existir um curso de economia emocional por aí...

Confesso: ainda não passei da terceira fase. Então, tudo depois disso seria pura especulação da minha parte. Se alguém aí já chegou mais longe, meus parabéns! Você é, no mínimo, alguém de muita sorte (ou bem mais interessante do que eu).

No fim das contas, fugir do script parece quase impossível. Não é como nos filmes românticos: tropeçar em alguém na rua, derrubar uma papelada, trocar olhares e voilà — paixão à primeira vista. Talvez isso ainda funcione no mundo heterossexual (não me atrevo a tentar deduzir como as coisas se dão por lá). O fato é que, hoje em dia, azar no jogo não significa automaticamente sorte no amor.

E então, se o amor é mesmo um jogo... você está mais para a sorte ou para o azar? Ou será que, no fim das contas, o segredo não é ter sorte — e sim aprender a jogar?

Desautoria
Enviado por Desautoria em 01/05/2025
Reeditado em 11/05/2025
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