🔵 O fantástico livro de fibras de bambu

Chegamos ao teatro. Existe um estereótipo de quem se identifica — ou finge — como uma criatura frequentadora de teatros alternativos, saraus de poesia e vernissages descolados, figurinha fácil na Bienal de Arte Moderna, instalação ou performance artística num festival de dança contemporânea, cinema de arte, em uma apresentação de teatro amador ou em algum ato do PSOL.

Eu nunca perambulei com o aspecto de bicho-grilo, mas, não sei o porquê, um vendedor de badulaques artesanais viu a oportunidade de alimentar seu capitalismo envergonhado. Então, achando que havia avistado a vítima perfeita, se aproximou.

Não precisei acionar o modo culturalmente antenado, engajado politicamente, de mente aberta e com consciência ambiental, porque nesse ambiente, onde quase todos certamente estão representando um personagem, isso virou uma piada interna. No entanto, eu estava disposto a demonstrar interesse nos livrinhos feitos com fibras de bambu. Ela fez o mesmo.

Descobri que tínhamos cara e estávamos num território de quem demonstraria real interesse em livros feitos com fibras de bambu. Tivemos que fingir uma atenção tão eufórica, como se aquilo fosse algo relevante. Com uma forma original, mas conteúdo preguiçoso, lacônico e com uma intelectualidade de plástico, o livrinho servia apenas para sinalizar uma falsa preocupação com o meio ambiente.

Mas éramos da região metropolitana de São Paulo, lugar onde se recicla lixo sem ficar falando que está salvando o Planeta, onde o vegano não vai a churrascarias só para dizer como é mais evoluído. Sendo assim, só estávamos na fila do lazer, depois de enfrentar uma semana de trabalho. Portanto, não éramos dois exemplares típicos da fauna noturna do circuito cultural paulistano.

Eu não precisava estar vestindo sandálias de couro, camisa de algodão cru, nanossunga de crochê nem algum acessório que me deixasse fantasiado como um autêntico hippie fora de época. Mas como isso é um estado de espírito, o idealizador do livro mequetrefe viu em mim alguém que estaria disposto a desembolsar um considerável valor para impressionar a namorada.

Errou. Nós estávamos vacinados quanto a esse nível de sofisticação da picaretagem psicológica.

Rafifa
Enviado por Rafifa em 01/05/2025
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