🔵 Ovo frito

Ir àquele colégio para assistir a uma peça de teatro seria bem tranquilo, diferentemente de atuar. E o que era muito mais humilhante, interpretando um ovo frito.

A tranquilidade de ocupar um lugar na plateia, foi trocada pela correria atrás do palco. A última esperança de não participar daquilo desapareceu quando a fantasia de ovo frito coube perfeitamente. Aquele era um patamar que já não dava mais chance para arrependimento e retrocesso.

Só me restava a alternativa de representar um excelente ovo frito com minha única fala de identificação. Para eu me conformar, bastava lembrar que muitos figurantes se contentavam em apenas aparecerem um pouco em cena, todo bom ator começou por baixo e os exercícios de interpretação são tão ou mais humilhantes.

Com o tempo, concluí que o ideal seria me infiltrar numa trupe identificada com qualquer patifaria que esconde picaretas e charlatães, tipo: coletivo de artes ciências. Também acharia bem melhor representar algo abstrato, fácil de enrolar na explicação, difícil de entender. Basta dizer que é uma montagem conceitual, citar um autor obscuro e explicar a sinopse com palavras incompreensíveis. Mas estrelando como um ovo frito, eu nunca teria moral para defender o meu personagem.

Pois bem, a partir do momento que assumi interpretar a proteína animal, fiquei no compromisso de encarnar o melhor ovo frito que alguém viu. Não sei se é mania de grandeza ou espírito competitivo, mas era uma questão de honra promover aquela simples mistura ou ingrediente ao destaque reservado aos pratos principais.

Logicamente, minha dramatização foi ignorada, só não foi um completo fiasco porque contei com a condescendência da plateia por eu ser apenas uma criança. Se a reação do público foi fria, a minha justificativa é que estavam diante dum gênio incompreendido e não percebiam quando viam um extraordinário ovo frito pela frente.

Rafifa
Enviado por Rafifa em 02/05/2025
Reeditado em 02/05/2025
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