CHÁ COMIGO!

Chá! Monossílabo chique. Lembro de Londres, onde nunca fui. Coisa aristocrática. Vamos tomar um chá? Coisa de gente fina e grã-fina. Lordes, nobres e gente de alta estirpe bebem-no às 5 da tarde. E na mesma horinha que a rainha, marcada pelo badalar do Big Ben.

Já cá nessas terras tupiniquins, chá só para alguns. Aqui bebemos com orgulho é café. Quando muito um “chafé”. Chafé: o café para exame de vista. Se enxergou do outro lado do copo americano com café, muda o nome, chafé. Valorizamos o café, mas não como esses europeus e americanopeus. Eles amam demais o chá. Já fizeram até guerra por causa de um navio inteiro de erva afundado. Lá na América do Norte. Aqui café é para unir as pessoas, igual pinga. Tomar uma com alguém é sinal de alta conta.

Mas não é que volta e meia topo com um tupiniquim metido a besta. Justificado ou não por ter a tal gastrite, fala com a boca cheia de soberba: “Não tomo café, só chá!” Hummm... entojado, respondo mental e rapidamente.

Queria essa chiqueza pra mim. Esse rito de porcelana tintilando, de água quente esfumaçando a escorrer do bico do bule, de açúcar dosado com colherinha de prata e erva aromática. Mas confesso que, apesar de chá me remeter a todo esse glamour inglês, ele me lembra mesmo é de minha infância nada britânica, mas estoica. Tomei muito chá goela abaixo, por conta das mazelas que meu imunológico sistema não dava conta de conter sozinho.

Qualquer perrengue, vinha minha mãe com afeto, chá e ditadura: “Toma tudo sem reclamar!”. Foram muitas infusões contra males diversos: alfavaca, elevante, funcho, camomila, boldo, alecrim, folha de laranja, casca de romã e todo arsenal de bruxaria herdado dos antepassados. Receitas novas sempre surgiam para alguma “maleita” contra gripe, resfriado, dor de garganta, carne quebrada e osso rangido. Mas se mesmo assim, todo esse arsenal não contia o “maloiado” e a perrenguice com a doença, mandava Deus, ou sei lá quem, uma conhecida com seus conhecimentos e elixires a sugerir mais uma receitinha caseira de folhas da horta: “Dá chá de Macela para ele, Aparecida, diz que é muito bão pra essa moléstia”. E eu, sem muita voz ativa, ouvia aquilo em meio aos meus tristes ais.

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 09/05/2025
Reeditado em 09/05/2025
Código do texto: T8328764
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.