O COCHILO, A MOSCA E O VICK

Ontem, após o almoço, resolvemos tirar aquela soneca — afinal, era domingo, fato que não faz diferença para um aposentado. Porém, apenas eu sou o contemplado com esse honroso posto.

Após breves considerações como: será que teremos sono à noite? Amanhã temos que nos levantar cedo... isso vai influenciar? — bom, meu amigo, pela conversa dá pra perceber que não é comum tirarmos aquela siesta.

Resolvemos repousar um pouco e, para não dormir direto, o despertador foi programado para duas horas depois. A partir daí, começa meu calvário.

Fecho ou não fecho as janelas da sala? Se alguém olhar por cima do muro, vai deduzir que não tem ninguém em casa e pode querer entrar. Então, ligo a televisão — mas com som ou sem som? Para não incomodar, tiro o som e deixo a legenda.

Aí pensei: não vai fazer muita diferença. Se houver ladrão, ele pode pensar que é uma casa de surdos, e pular o muro não faz barulho. Volto e coloco o som — mas deixo a legenda. Vai que o ladrão seja surdo.

Depois vem o dilema do pijama. Coloco ou não, para tirar um simples cochilo? E se esse fato desperta o meu organismo a hibernar mais do que o necessário... hein? Pensei... nem lá nem cá. Resolvo colocando somente a parte de baixo do pijama.

Aí outra dúvida chega: levo minha garrafa d’água para o quarto ou não? Decidi levar. Vai que dê sede.

Pronto. Estou preparado para adentrar no quarto, onde minha mulher já cochilava há uns vinte e cinco minutos. Fecho a porta lentamente, mas não o suficiente para deixar de escutar um balbuciado indescifrável vindo do meu amor.

Deve estar dormindo, pensei, inocentemente.

E ela, como se lesse minha mente, responde:

— Como posso dormir? Você liga e desliga a TV, bate porta de geladeira, abre e fecha janelas e porta... vê se dorme um pouco!

Era o que eu tinha planejado desde a última garfada da lasanha.

Sento no meu lado da cama, afofo o travesseiro, pego o meu terço (que fica embaixo do outro travesseiro, o que não é afofado, e sim amassado), e me deito naquilo que de melhor existe no mundo: minha cama.

Meu leitor querido, se você chegar pra mim e perguntar o que eu levaria para uma ilha deserta, eu com certeza responderia: minha cama.

Pois bem, repouso a cabeça no travesseiro fofado e lembro... falta o pano dos olhos. Começo apalpando as laterais da cama e nada. Levanto, abro a gaveta do guarda-roupa, pego o pano dos olhos e me deito novamente — ao som da sinfonia de um profundo respirar vindo da outra pessoa que divide comigo esse maravilhoso latifúndio que é nossa cama.

Até que, enfim, estou apto a repousar... até uma mosca aparecer e achar que a minha testa era a pista do aeroporto de Guarulhos.

Começo a afastá-la com um leve abano de mão. Depois, passo a usar o pano dos olhos como exterminador de moscas — e nada.

Lembrei do Vick Vaporub, que também é um repelente. Levanto, abro a porta, vou até a farmacinha do banheiro, pego a lata, sento na cama, passo o Vick na pista — digo, na testa — e recomeço a tentativa de repousar.

Foi pior. Os olhos lagrimejando e a mosca lá... tentando aterrissar. E, devido ao Vick, ela derrapava e passava direto. Como um avião tendo que abortar a aterrissagem.

Transformei meu pano de olhos em pano de rosto e, quando vou fechando os olhos... o despertador toca.

Acordamos. E quando minha mulher olhou pra mim, disparou:

— Nossa, você está horrível, com a testa besuntada de Vick. Deu pra descansar um pouco?

— Não foi bom.

No início da noite, pronto para ver o meu querido Fluminense, ligo a TV, faço o tour completo: Disney, Paramount, Netflix, Amazon...

E quando o jogo começa, a mosca chega.

Pior. Trouxe uma amiguinha.

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