A banca que não vende jornal
Oito da manhã e o jornaleiro sai da banca, cabisbaixo, como se estivesse fazendo algo por fazer, no automático, sem encontrar motivos que justificassem o ato.
Ele olhou para a lateral externa do seu local de trabalho. O espaço era preservado pelo abandono. Ou pela incapacidade do dono de promover alguma melhoria. Na real, o entorno também não ajuda muito.
A banca fica na Avenida Brasil, altura de Bonsucesso. Ao percorrermos a via até seu fim, ou seja, passando por Manguinhos, Benfica, Caju e Santo Cristo, não encontramos outra banca, o que nos leva a tirar duas conclusões: ou as pessoas não leem mais nada impresso (jornal, revista, gibi, bula, rótulo de veneno, plano funerário) ou aquele homem ainda está preso no tempo em que, sim, as pessoas liam. Nem que fosse aqueles jornais de 50 centavos que sequer serviam para embrulhar peixe na feira.
Se reparar bem, a banca de jornal nada mais é do que o retrato fiel do entorno da Avenida Brasil: um lugar tão abandonado que foi esquecido até pelo próprio tempo.
Fiquei dez minutos esperando o ônibus chegar. Nesse intervalo, três pessoas entraram na banca: duas meninas saíram com biscoitos recheados e um velho saiu fumando um cigarro tão vagabundo que chega a ofender a nicotina.
Ou seja, a clientela da banca não compra jornal.
Você pode chamar de modernização, eu chamo de decadência. Prova disso foi que o jornaleiro, que só tem aquela banca para não ter que ficar em casa assistindo aos telejornais que exalam sangue, pendurou vários itens no lado de fora da banca, ocultando assim os próprios jornais, que já nascem envelhecidos, padecendo diante das novidades quentinhas que aparecem nos sites.
O que era uma banca virou uma galeria cheirando a poeira. Os itens eram diversos: saquinhos de bala, paçoca, chiclete, amendoim, fita adesiva, tesoura de unha, Super Bonder, prego, parafuso, porca, filtro de linha, fone de ouvido (por cinco reais), estilete, tornozeleira (não a dos bandidos, só para deixar claro), spray contra inseto, pilha, Doril, durex, bateria de relógio, adoçante, carretel de linha, lixa de pé, borracha para panela de pressão e fumo de rolo.
Curioso, entrei para conhecer a parte interna daquela galeria. Pela primeira vez, não vi um gibi sequer numa banca de jornal.
— A molecada só quer saber de celular, moço — pontuou o jornaleiro.
Perguntado sobre o que achava dessa onda de bebês bonecos ultrarrealistas (batizados de "rebournes" por alguém ultra cafona e não menos artificial), o jornaleiro foi sucinto:
— Comprei três dessas a dez contos cada. Coloquei o preço de vinte contos. Vendi todas em uma hora. Ganhei trinta contos nessa brincadeira. Daqui a pouco vou comprar mais!
A banca só existe como enfeite que enfeia o já espantoso entorno. Mas o jornaleiro, antenado com as novidades horripilantes da sociedade, não dorme no ponto.
Ele — e tantos outros, espelhados e espalhados por várias vias do país — é dono de uma banca que não divulga opinião, nem informa. E que se rendeu a qualquer coisa que se possa vender, exceto à notícia.
A banca é só um mero detalhe. Se for chamada de barraca, não tem problema. Os jornais são apenas detalhes (quase) insignificantes.