Sexta-feira
Era um dia d'um mês qualquer daqueles que perdem o valor concedido de datas, como a ferrugem que desgasta o ferro e torna-o um óxido. Assim eram os dias da Virgínia, enferrujados e desgastados de tanto arranjo de sentidos; e como uma moça esperta, ela sabia que atirava às escuras, mas seguia o fluxo e sua rotina, talvez não por escolha, nem por sua identidade tão pouco conhecida por si. Seu pai é que sempre dizia:
— Moça minha não é para namorar! Se namora, tampouco estuda e aí não é ninguém na vida.
Virgínia ouvia, mas como uma menina pouquíssima recatada, jamais escutava as obstinações aspiradas do seu pai, pois em seu espaço cabia muito mais do que era oferecido rotineiramente.
— Como irei viver sem ao menos provar o sabor de estar enamorada? — pensava a garota no auge da puberdade — todas as meninas já sabem o gosto disso e eu não — balbuciando inconformada.
Incontáveis e automáticos, eram os dias que iam passando e a menina mulher ousava viver aventuras entre paixões. Ensinaram-na a ter medo de amar, de envolver-se, o receio do toque, do calor; e agora Virgínia? Morrera virgem de suas próprias verdades?
Mas é que em toda aventura, uma boa ventura aparece e altera essa atmosfera de riscos e incidentes. E eis que o momento dela chegou, foi uma contingência daquelas em que não houve nenhum preparo. Sob o céu encharcado de nuvens e um sol feroz e sobre o chão molhado da chuva recente, foi que ocorreu o seu amor acidente.
Esbarraram-se feito unha do dedão e pedra no meio do caminho, sorte que o destino estava à espreita dos dois, pois acaso não estivesse seriam apenas dois desconhecidos e um meio-dia normal. Desse momento em diante, as manhãs de Virgínia confundiam-se com seus sentimentos e sensações. Ela descobriu o sabor das onze horas ensolaradas misturadas com ar de tesão corpulento, degustou as tardinhas cafeinadas com o sol tímido vigiando-os.
A menina obstinada já havia se transformado, bem como ao seu redor. Não é que agora tudo fazia sentido, mas não fazer sentido acompanhado é bem mais divertido e menos confuso. Como o poema número 288 da Emily Dickinson, os dois formavam uma bela dupla.
E agora Virgínia? Livrou-se do medo de amar? Tinha tanto amor de sobra que lhe faltavam momentos para expressá-lo. Só não contava que trinta dias depois havia realmente sobrado amor de sua parte, pois os amores se foram e a Virgínia ficou face a face com um vazio indescritível.
— Então deve ser por essa razão que me ensinaram a temer casos de amor… só tem coragem de amar quem não escapa em nenhum momento, inclusive nos desencontros.
Virgínia questionava o destino e o seu futuro despacho, porém ainda havia espaços para transformar em lugares, bem como descobrir suas verdades e outros sentidos. Mesmo diante da recordação dolorida, ela criou datas que marcaram-na. E tudo isso, graças à sexta-feira, o dia em que tudo começou, um dois de fevereiro e o início desse ciclo.