o pardo
Nas voltas que dou por esta cidade de rostos mil e passos ligeiros, dei por mim reparando em certa feição comum, espalhada como um murmúrio nos bondes, nas repartições, nos bancos de praça: a feição parda. Não negra como a noite sem lua, nem alva como o lenço da senhora elegante da Rua do Ouvidor — mas um meio-tom, uma aquarela feita de café com leite, nem mais nem menos.
Há um talento singular no pardo: o de passar. Passa por branco quando convém, passa por negro quando cobram cota, passa por invisível quando grita. E passa bem. Ninguém o elege símbolo de luta, mas também não o toma por ameaça. Está ali, entre um e outro, como quem observa o jogo sem ser chamado à mesa.
Confesso, leitor amigo, que há nisso uma injustiça delicada. A do quase. Quase bonito. Quase branco. Quase lembrado. E o “quase” é o peso mais discreto e mais cruel que um homem pode carregar.