Pinos na Areia, Maré de Ausências
Basta uma curta caminhada pela manhã para sentir o gosto amargo da madrugada alheia. A praia desperta lentamente, banhada pela luz dourada do sol nascente. As ondas sussurram constância, os coqueiros balançam preguiçosos ao vento, e os pássaros traçam linhas leves no céu. Tudo ali convida à contemplação, à paz, à esperança.
Mas basta olhar para baixo.
Os pinos — vazios, translúcidos, descartados como cascas de vida — pontuam a areia como uma linguagem muda, uma denúncia que o tempo não apaga. Pequenos, quase discretos, mas carregados de histórias partidas. E, entre um passo e outro, lá está o contraste: outros caminhantes, com seus olhos vazios e os cigarros acesos, baforando a fumaça densa da erva que invade narinas sensíveis. Não é resquício da madrugada, mas continuidade da mesma escolha. Outra face da mesma desistência.
O deslumbramento começa cedo. Um convite informal, a promessa de leveza, de pertencimento. A juventude, em seu anseio de ser tudo ao mesmo tempo, corre sem mapa. Acredita estar confrontando o sistema, quando na verdade mergulha — sem perceber — no ciclo que o sistema alimenta.
Enquanto isso, nas casas próximas ou distantes, a tragédia chega silenciosa. Uma mãe que não dormiu, um pai que tenta esconder o medo, irmãos que já não perguntam. A desgraça não explode — infiltra-se. Crava raízes no cotidiano até fazer parte dele.
O traficante observa. Sempre atento, oferece não apenas produto, mas narrativa: “você é forte, é diferente, merece mais”. E assim o jovem entra no enredo de uma peça antiga, onde os protagonistas mudam, mas o final é sempre o mesmo.
Mais grave, porém, é o modo como o jovem se entrega. A facilidade com que abdica de si mesmo e se deixa conduzir — como se a própria existência fosse peso demais para carregar. A inteligência adormece, o senso crítico se dissolve. A capacidade de se questionar, de discernir, de escolher, se enfraquece diante do impulso de pertencer a qualquer preço. Uma desistência da autonomia — e, com ela, da própria liberdade.
A saúde pública? Frágil. A segurança? Insuficiente. A rede de proteção social — se é que ainda existe — se rompe em silêncio, incapaz de conter essa onda que não vem do mar, mas da própria sociedade. Uma avalanche de abandono, desigualdade e indiferença, que ceifa oportunidades e distribui miséria como se fosse destino.
A beleza do ambiente apenas acentua a crueldade do contraste. A areia fina, o mar translúcido, o céu imenso — tudo isso deveria inspirar vida. Mas ali estão os restos da noite: garrafas plásticas, risos evaporados, promessas vencidas. E os pinos. Sempre os pinos.
No fim, entre o azul do oceano e o vazio dos olhos jovens, o que resta é uma geração fragilizada, sem voz interior, empurrada ao abismo por fora — e já caída por dentro. Um silêncio que grita nos lares, nos serviços públicos e nas ruas — onde a ausência é o que mais pesa.
E essas divagações foram apenas numa curta caminhada, mas a praia é grande… é longa… é imensa…
By MAP Insight 09/05/2025