Pura

Então prometera:...“serei feliz!”... seria?

Mas, mesmo assim, aprendeu a sorrir apesar da tristeza que se antecipara e moldara seu rosto com os traços de uma água pura e cristalina.

Tão pura quanto ela.

E porque era toda ensaio, e suas noites tão tenras, tão verdes, tão sementes, sonhava enrodilhada nos seus lençóis de água doce.

Porque era preciso estar preparada, disso ela sabia, mas não sabia ao certo prá que... mas no dia em que viu sua mãe chorando afogada em silêncio, alguma coisa mudou, ela compreendeu.

O tempo muda, mesmo que o sol continue soprando sobre a terra seu hálito divino e a lua continue senhora de todas as madrugadas. O olhar sobre as coisas muda, mesmo que todas as coisas sejam sempre as coisas que estão, estiveram e estarão conformadas dentro de seu espaço, as coisas cabíveis às vezes são descabidas, e de repente não passam de meras coisas, ou são coisas com um peso maior que se imaginava.

O que calava nem sempre consentia, era preciso decifrar o silêncio.

Ela compreendia porque o choro da mãe abafou o choro da boneca que, pouco a pouco, desprendia do seu colo... abafou o choro da boneca e o seu próprio choro. Tudo estava um pouco além do seu mundo de brinquedos. E tudo era o que corria por dentro, numa velocidade que rasgava o céu em tiras coloridas, enquanto anjos passavam distraídos com suas bocas entoando cantos de lira, e vozes se aproximavam atravessando murmúrios e as noites se abriam em labirintos... ela se cobria e quanto mais se cobria mais descobria, e do centro da escuridão ela surgia rubra, caminhando oscilante na flor mais eterna, na idade dos ventos, primeiros sopros, procuras, promessas, descobrimentos.