"Vaidade, Vaidade..." =Crônica do Cotidiano=

Vaidade, vaidade...Não é à toa que vaidade contém, inteira, a palavra idade...Não abandona a maioria dos seres humanos a qualquer altura da vida e faz a fortuna imensa de quem sabe explorá-la em seus muitíssimos aspectos, cientes de que a vaidade é a pele da alma.

Há poucos dias atrás eu estava na ainda pequena fila da terceira idade, no Unibanco, quando chegou uma senhora e ficou ao lado do senhor à minha frente. Estava mais do que na cara que há muito ela havia passado dos setenta anos, apesar do corpo magro, elegante, e empinado. O rosto, o pescoço, as mãos, os cotovelos e a cor da pele, no entanto, davam-lhe o aspecto de uma anciã de cabelos pretos, denunciavam claramente que já podia chamar sessentões de garotos.

Falando na altura certa para que todos da fila a ouvissem, mas fingindo falar baixo, só para ele, ela comentou:

- Olha só que absurdo, Frank: acabei de vir do Banco do Brasil e sabe o que o caixa de lá me fez? Me obrigou a ir para a fila comum. Disse que eu não podia ser atendida na fila da terceira idade. Que absurdo, não é? Perdi um tempão lá. Ainda bem que você guardou lugar pra mim aqui...

O senhor apenas sorriu e deu-lhe lugar à sua frente. Depois, quando ela já estava de costas para ele, olhou pra mim e disse com apenas um rápido olhar:”Cada um se ilude como quer e gosta...”.

Tive pena da mulher. Causa-me pena qualquer um que não se enxergue e saia por aí fazendo papel de bobo; que passe pela vida exibindo o que não tem; que não assuma que a vida passou, a idade chegou, o tempo maltratou ou tratou a seu modo, e que está na hora de comportar-se de acordo com a vivência acumulada.

Sei que é agradável quando nos acontece o que ela disse ter acontecido com ela. Faz bem para o nosso ego quando nos avisam que a fila é só para maiores de sessenta e a gente já tem sessenta e um. Um engano justificável pela pequena margem de erro. Mas uma pessoa com bem mais de setenta contar a mesma coisa fica ridículo e mais que na cara que é uma mentira deslavada.

Há alguns anos atrás eu estava em uma festa na casa de um de meus irmãos e ouvi quando uma velha conhecida nossa, de mais de cinqüenta anos, e um tanto quanto maltratada, contou em voz alta que havia saído com a filha de dezessete anos e “todo mundo” perguntou se eram irmãs gêmeas. “Gêmeas!!!”. Contou a mentira e terminou-a com um “Vê se pode?”. Eu, maldosamente, naquela altura em que já havia muita gozação trocada entre os presentes, todos amigos e parentes, disse que é claro que não podia, que não podia de jeito nenhum porque a filha dela não tinha cara de mais de cinqüenta de maneira alguma, que a garota era até conservadinha, parecendo ter só uns quinze anos. Angariei, sem esforço algum, mais uma inimizade, mas as risadas em volta foram boas e também maldosas, visto que expressei em voz alta pensamento de todos que a ouviram. Tinha meus motivos para essa maldade com ela, mas não vou contar aqui. Se ela tivesse dito apenas irmãs, juro que teria ficado calado, mas o “gêmeas” foi além do suportável já que a menina era um bela gatinha.

Em tempo: claro que também tenho meu grau de vaidade. Considero-a tão imprescindível quanto o sal na comida. O que estraga é o exagero. Em ambos os casos: o sal e a vaidade.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 29/05/2008
Código do texto: T1010273
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