Poema, o filho eterno. A alma da mãe além do tempo e do espaço

Fatima Dannemann

Visito o blog de uma amiga. Lá encontro uma homenagem a Cecília Meireles, biografia, fotos, poemas, textos, comentários sobre sua obra. Nascida sob o signo de escorpião, versátil, sensível, modelo para as mulheres que escrevem, através da Cecília me vêm a mente e todas as poetas que eu conheço, e as que não conheço, todas as poetas que existiram, as que existem e as que ainda vão surgir. E vem uma lista em meu pensamento. Em meio a todas as poetas, alguém especial, que só conheci através dos versos, mas é como se tivesse convivido com ela: Evangelina Moniz de Aragão (Lina de Villar) minha avó. Sim, porque quem escreve versos gera um filho, é assim que me sinto quando escrevo qualquer coisa, e acho que é assim que se sentem todas as pessoas que escrevem ou produzem arte, gerando filhos. Assim, o livro com suas poesias é seu quinto filho e o único que será eterno. Sempre que alguém abre este livro, uma pequena antologia póstuma, sua poesia é perenizada. Isto acontece, claro, com todos os poetas. Mas... As mulheres acabam vendo e sentindo tudo com olhos de mãe. É diferente e inexplicável.

Mulher e poesia. Uma dupla em que os dois elementos, mulher e poesia, combinam perfeitamente. E vão combinar sempre. Seja a mulher que inspira ao bardo os seus mais elevados versos, seja a mulher que apenas senta e traduz seus sentimentos em versos. A musa e a poeta (ou poetisa). Porém, entre ser apenas musa e ser a autora dos versos há uma incrível diferença. Não sei o que minha avó sentia quando abria seu caderninho de poesia para rabiscar seus versos. Mas, imagino ela elegantemente sentada (minha avó faleceu aos 28 anos) naqueles movéis antigos maravilhosos que as famílias costumavam ter, escrevendo o que lhe vinha na alma. Talvez, com perfeccionismo de virginiana, mas cuidando de cada palavra como quem cuida de um bebê, pois cada poema é um pedaço de seu autor, por isto, um filho, tal como uma criança.

Poesia e mulher. Combinamos. Mas, aqui falamos de uma poesia que de fato é poesia, que vem do lado mais elevado de nossa alma, a que nos revela ao mundo, a que nos faz íntima de desconhecidos, companheira de pessoas que jamais encontraremos um dia. Produzir poemas é como um parto. Um parto, sim. Mas não falo de dor. Falo sobre a satisfação de dar forma a uma criação eterna. É um parto tão natural que só ao ver os versos prontos acreditamos: dei luz a uma criatura que transcenderá tempo e espaço, mesmo que fique esquecida em algum papel amarelecido pelos anos no fundo de uma gaveta. É o que eu sinto quando escrevo. É o que acho que Cecília Meireles sentia quando escrevia.

Findo o verso, revisado, corrigido e lido, vem o momento de soltar o filho no mundo. Publicar a poesia ou dar a alguém para lê-la. Vem aquela sensação de dever cumprido: “meu filho está criado e agora vai caminhar sozinho”. Mas, isto também assusta. Que uso farão de meus versos? Ou a que esquecimento ficarão relegados? Os caminhos de um poema transcende tempo e espaço, corremos risco ao soltar os versos no mundo, mas chega um momento que encontramos alguém que leu nosso verso, entendeu, compartilhou de cada sentimento. E aqui falo de poetas e poetas. Homens e mulheres indistintamente, porque arte é arte e não tem sexo. Alguém lê nossos versos e comentam e nesse momento vemos quão íntimos dos poetas são os leitores, apesar de distantes.

Claro que tem poetas e poetas. Agora me refiro às mulheres que escrevem poesia. São as que escrevem poesia com letras maiúsculas. Florbela Espanca, Cecília Meireles, Lya Luft, ah, e deixa ser só um pouco neta coruja, Lina de Vilar. Poetas, poetas de mão cheia, mulheres que tornam o dia a dia das pessoas mais bonito com sua poesia. Como as poetas que fizeram poesia em música. Por exemplo, Dolores Duran, que pode até não estar na moda, mas se eternizou. Poetas pós-modernas como a Ana C. que se foi jovem, Elisa Lucinda, que teatralizou seus versos em recitais que fizeram sucesso no palco. Mestras, imortais e eternas como a Cora Coralina.

E nem falei – ainda – na net. Dizem que todo mundo que entra na net vira poeta. Não é por ai. Escrever em linhas quebradas, contar pseudo-cenas eróticas que muitas vezes não passam de vagas quimeras, exagerar na formatação e na música de e-mails ou sites não significa poesia e mais: não escondem a vulgaridade ou a mesmice de muitos textos que circulam por ai de lista em lista, de blog em blog. Poemas verdadeiros não são simples versos. Poemas são seres completos, elaborados. Poemas são os filhos que uma poeta gera, quando conta sobre a beleza das pequenas coisas da vida, quando se revela por inteira, mostra sua alma sem medo de ser feliz. Poesia e mulher, combinação perfeita. Inseparável e que sempre dará bons filhos. Filhos eternos que levarão pelo mundo, além do tempo e do espaço, a alma de sua mãe. Assim como eu sinto a presença viva de uma avó que eu não conheci, somente ao ler seus versos.

Salvador, 11.11.2003

Maria de Fatima Dannemann
Enviado por Maria de Fatima Dannemann em 30/05/2008
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