A COZINHA DA MINHA CASA

A cozinha da minha casa eh um lugar muito especial.

Ela nao eh apenas meu local para refeicao mas, meu escritorio e lugar para reflexao.

Nao ha um unico dia que nao me sente a mesa da cozinha e, num exercicio de instrospeccao, eu nao consiga achar dentro de mim uma casa inteira para arrumar.

Tudo isso sem contar que eh nessa mesa que, semanalmente, eu faco o levantamento de tudo que me foi entregue pelo departamento de correios. Minhas correspondencias sao muitas mas posso dividi-las em apenas duas partes: metade sao contas a pagar e a outra metade "convite pra contrair mais dividas". Lamento nas poder dividir em tres partes; ja nao recebo mais cartinhas de alguem saudoso ou querendo saber de mim. Estamos na era da informatica e se nao recebo cartinhas, recebo e-mails. Mudou apenas o meio como me chega as maos essas missivas e nao devo lamentar a morte da emocao que gerava a expectativa de ver o "carteiro".

Ainda me dou, muitas vezes, ao requinte de passar um cafe que normalmente, esqueco de tomar porque meus olhos, apos a organizacao da papelada, se abismam no papel e eu vou repassando fatos ou criando historias.

A cozinha da minha casa tem alguma coisa que me aguca o desejo de fazer dali o unico comodo da casa, minha area de lazer e quem sabe ate, se jogasse uma esteira, daquelas feita de taboa, nao dormiria o mais aconchegante dos sonos.

Gosto de estar ali; repassando a vida.

Algumas vezes, meu pensamento perde a direcao ou o ritmo acelerado no exercicio da escrita: quando alguem, invade minha cozinha, em busca de agua ou alguma coisa para comer e, vou eu logo respondendo: escrevendo.

Impressionante como sao previsiveis! A pergunta eh sempre a mesma: Esta fazendo o que?

Chego lamentar ter que ir para o quarto, nele nao vejo nada que me chame atencao ou talvez, dele eu fuja. Uma cama imensa pra meu corpo tao pequeno, um espelho pra minhas rugas, um aparelho de som para musicas ultrapassadas, um closet lotado de saches perfumados para disfarcar o desuso, um aparelho de TV desligado, uma pequena estante pra livros que nunca li e algumas miudezas desinteressantes. Por isso eu corro pra cozinha, la eu conto tudo daquele quarto sombrio e nebuloso.

E nem arrisquem perguntar pelos outros comodos. Na sala principal, aquela, cartao de visitas pra quem chega, eh o melhor lugar para esconder de mim, um elefante branco. Ainda que ele esteja trepado sobre a mesa de centro ..... jamais darei conta disso. Ali pouco entro e se olho, nada enxergo.

Ja na cozinha, eh bom que nem conversem segredos que nao queiram ver chegar ao meu conhecimento: as vozes ficam no ar a espera dos meus ouvidos.

A cozinha da minha casa tem uma porta imensa de vidro que da para uma varanda de fundos. Penso que pode ser essa a paisagem que mais gosto de ver, independente de ser dia ou noite, na posicao estrategica onde me sento.

Gosto de ver o colorido dos brinquedos deixados ao tempo nessa varanda ou ainda, do olhar amoroso das cadelas. Ficam com olhos fixos em mim, essas fieis companheiras. E se lhes dou um biscoito, lambem-me a mao de modo agradecido. Zelosas e delicadas amigas que, com cuidado abocanham o agrado sem que eu corra nenhum risco de ser machucada por elas.

Gosto da tarde quando o sol vai se escondendo e alguns poucos carros vejo passar numa rua paralela a minha. La na frente! Estao as pessoas indo de volta as suas casas.

A noite, da cozinha, olhando atraves dessa porta, vejo alguma claridade no pequeno bosque e parece que ouco os sons que varam o silencio. Por mais sensitiva que eu seja nunca sei se; sao fantasmas sacudindo as arvores embraquecidas pela neve ou algum bicho da noite fossando lixo.

A cozinha da minha casa me inspira.

Pena que eu nao possa ficar ali o tempo todo, sentindo essas vibracoes, tentando advinhar coisas, relembrando fatos passados, minimizando os impactos ocasionados por muitas mudancas, valorizando o tempo presente como uma eterna primavera onde me perco entre flores e cores, planejando teimosamente o amanha incerto: enchendo o coracao de sentimento e o papel de assunto.

Tem uma hora que tenho que ir para o quarto perder, com o sono, mais algumas das tantas horas que preciso pra completar minha arrumacao interior.

Nao acredito que tenha tempo de vida para arrumar toda minha mobilia emocional mas, no minimo, na cozinha da minha casa, eu vou tirando o poh.

Rosa Maria Dias (Jotapati)

jotapati
Enviado por jotapati em 27/01/2006
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