A DIVINA

Em uma das ocasiões em que estive no Rio de Janeiro (sempre que posso eu vou ao Rio) aproveitei para passear em Ipanema. Saí andando por suas ruas cantarolando e recordando a famosa “garota” imortalizada nos versos de Vinícius, quando percebi que me encontrava na Rua Nascimento e Silva, bem defronte ao número 107. De imediato esqueci a Helô Pinheiro e me lembrei da Elizete. Foi inevitável!

Se você tem pelo menos 55 anos, claro que também se lembra dela: Elizete Cardoso, “A Divina”. Uma das maiores cantoras brasileiras e também precursora do movimento musical conhecido como “bossa nova”, nascido lá pelos anos 60.

Das muitas canções que a divina Elizete interpretava, uma me é inesquecível: “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Aliás, ela gravou um disco antológico, que muitos consideram o marco inicial da bossa nova, onde interpreta esta e outras canções da estupenda dupla, cujo título, se não me engano, é “Canção do Amor Demais”. Não, não sou um experto em bossa nova, ou MPB. É que, quando rapaz, trabalhei em algumas gravadoras e lojas de discos. Daí a lembrança mais presente da sonoridade daquele tempo.

Pois é, Elizete morreu tem, talvez, pra mais de quinze anos – é amigo o tempo passa – e não sei por que hoje me lembrei dela, do meu passado, de um tempo bonito, gostoso, em que se cantava o amor, a dor, a saudade, a tristeza e a alegria. Eu sei que hoje também se faz isso. Mas, naquele tempo, acho que se valorizava mais os sentimentos com belas canções.

Não as escutávamos egoisticamente com fones enfiados nos ouvidos. Íamos em grupo, ou só com a namorada, para casa de alguém que tivesse uma eletrola hi-fi – é isso mesmo: eletrola raifai, o máximo! – e repartíamos prazerosamente o som que fluía do magnífico aparelho (claro que a qualidade do som produzido nos equipamentos de hoje é infinitamente melhor). Às vezes dançávamos à meia luz, de rosto colado, quase sempre discretamente vigiados por alguém mais velho; às vezes cantávamos, ou simplesmente ouvíamos os discos olhando a lua ou as estrelas. Acho que esse clima ajudava a valorizar as interpretações, as músicas e as letras das canções.

É... Aquela caminhada pelas ruas de Ipanema me fez recordar um bocado de coisas boas e sentir saudades da Elizete, pena que não possuo mais nenhuma de suas gravações. Mas, mesmo assim, hoje, em sua homenagem e em agradecimento pelo prazer que me proporcionou na mocidade, vou relembrá-la ouvindo o que tiver de bossa nova ou samba daquela época e vou aproveitar para surpreender minha mulher convidando-a para dançarmos no terraço, beber um champanhe e apreciar a lua que está maravilhosamente cheia.

Quem sabe depois "role" alguma coisa que naquele tempo só ousávamos pensar!

Hegler Horta
Enviado por Hegler Horta em 09/02/2006
Reeditado em 21/03/2006
Código do texto: T109908