O jogo do amor*

Ninguém, mais do que eu, acredita piamente naquele ditado “sorte no jogo, azar no amor”, ou vice-versa. Não que eu conheça, pelo menos. Vejo muitas pessoas contentes quando ganham jogos, ao contrário de mim, que carrego uma preocupação de vida inteira quando estou arriscada a vencer uma partida.

Ainda muito criança, nas brincadeiras, que se pode chamar de jogo – jogo de criança, eu nunca era escolhida pra destaque, nunca ganhava o melhor do sorteio, nunca era a vencedora do zerinho ou um ou a filha mais disputada no pobre, pobre, pobre, rica, rica, rica de Marré, Marré, Marré. Mas alguém me disse, e eu acreditei, que aquele azar se converteria em sorte no amor. A partir de então, eu nem mais me importava em perder: eu estava certa de que o azar me traria, mais tarde, no tempo do amor, a sorte.

No começo do tempo do amor, continuei perdendo todos os jogos, todas as apostas, nunca fui a melhor em qualquer coisa que se possa classificar como jogo. Trauma de nunca ganhar, eu nunca tinha: eu sabia que a sorte no amor – se não naquele momento, que não era de muita, diga-se de passagem – viria mais tarde, talvez na hora certa.

Horas, anos se foram, e eu continuo sorrindo imenso por dentro quando faço um jogo toda vez que passo em frente a uma Loteria, e perco. Eu desconfio, no entanto, que essa sorte toda está perto de me chegar, já que há quase um mês eu perdi um jogo feio, um jogo sério: eu fui assaltada pela primeira vez.

– Dá o dinheiro da bolsa ou eu furo a garganta.

– Eu dou, eu dou.

Passei os vinte reais que tinha na bolsa, deixando o assaltante amador morto de contente. Ele apertou minha mão selando a paz e disse:

– Eu faço isso porque eu tou com fome.

"Eu lhe entendo", e sorri o sorriso maior que eu tenho...

...e no meio do meu sorriso eu pensei: “se eu vivia fugindo de assalto desde que vim morar em Fortaleza, e eu fui assaltada, é mais um jogo que eu perco, eu fui pega”. Então, a coisa está ficando séria, a história dessa sorte, acumulada pela vida toda, a custo de muito azar no jogo, é séria como as coisas do amor ter de ser. Depois do susto, eu cheguei em casa cantando: pó pó pó pó...

*originalmente publicada no site www.patio.com.br/cronica

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 10/02/2006
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