Maria Rita e o preço da xita

É interessante a forma como as coisas podem mudar de valor aos nossos olhos, dependendo da situação, do contexto.

Recentemente, eu conversava com uma amiga sobre a cantora Maria Rita, a filha de uma “modesta” expressão da MPB, chamada Elis Regina. Eu, desde sempre, admirei a arte da Maria Rita. Gosto do repertório, do tom da voz dela, do jeito como anda, como se movimenta, das expressões do rosto. Na verdade, sou mesmo uma apaixonada fã. Mas minha amiga fica enjoada só de olhar. Acha que é imitação da mãe, e imitação barata.

Eu cá comigo acho é engraçado. Talvez esse parentesco com alguém consagrado represente mais ônus do que bônus. Afinal, se o preço da xita varia de acordo com o usuário, vestir-se de Elis Regina é coisa que Maria Rita jamais poderá fazer, para (acredite!), não se desvalorizar.

Criou-se a cultura de que beber da fonte é imitar. Besteira. Inteligente é quem, tendo oportunidade, tem atitude de se pegar com quem é competente e ir com muita sede ao pote, ou, no caso, à fonte, sorver goles longos de aprendizado.

É bem verdade que o artista que só repete e não desenvolve estilo próprio não é, lá na essência, um artista. Isso não significa, entretanto, que não possa haver pontos em comum entre as obras, e até vários. Duas pessoas podem ver e cantar o mundo de forma parecida, sim.

Certa vez, encontraram semelhanças entre o estilo literário da Clarice Lispector e o de uma escritora famosa de além-mar, cujo nome agora me foge. Engraçado foi constatar que Clarice jamais leu qualquer coisa dessa mulher, muito menos a conheceu pessoalmente. Entretanto, vivendo circunstâncias diferentes e pensando de formas semelhantes, elas fizeram trabalhos parecidos (não iguais, parecidos).

Não são as únicas. Michelangelo, Rafael, Da Vinci e tantos outros gênios estão enquadrados na Renascença, movimento que, guardadas as proporções da remodelagem, propõe-se a resgatar o estilo dos antigos gregos.

Então, Da Vinci pode resgatar a arte de algum grego antigo, mas Maria Rita não pode resgatar a arte de Elis Regina? E por que não? Todo mundo pode parecer com Elis, menos sua própria filha? Até que ponto estar associado a um mito é coisa boa?

Comparações e cobranças em cima dela são cruéis. Se a moça fosse cantar música new age, diriam estar tentando provar que não imita a mãe. Mas, fruto da genética, de observação ou de gosto mesmo, ela escolheu um estilo parecido, que também desperta nas pessoas a idéia de que ela quer se firmar em cima da imagem da mamãe defunta. Que maldade. Maria Rita não é Elis Regina. Nem melhor nem pior, é diferente, e, ao mesmo tempo, parecida. Isso é ótimo.

É tudo uma questão de real valor das coisas sendo suplantado por um olhar um tanto preconceituoso. Se um desconhecido citar José Saramago, é plágio ou falta de criatividade. Se a Lya Luft, é intertextualidade. No restaurante é “à francesa”, lá em casa dia de Domingo é prato feito(P.F. para os íntimos). Se for qualquer cantora, é expressão de justa homenagem a uma grande intérprete. Se for Maria Rita, é imitação da mãe?

Bem, como a Rita mesma diria, assim “ficou difícil”. Fiquemos cada um com nosso gosto pessoal e direito de preferir mãe, filha, família inteira ou nada disso. Acho que julgar arte é sempre complicado, que há menos regras e mais emoção, mas me orienta o princípio de evitar certas comparações. Pessoalmente, eu aprecio e invejo a família Mariano, de onde saíram excelentes intérpretes e instrumentistas. Elis é dez. A filha dela é outra cantora, que tem a ver com a mãe em alguns pontos e nada a ver em outros, mas também é dez. Respeito a opinião de quem pensa o contrário, mas ainda acho que Maria Rita é uma vítima do preço da xita.

Jéssica Callou
Enviado por Jéssica Callou em 12/02/2006
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