A ATRIZ, O PINTOR E O ESCRITOR

A ATRIZ, O PINTOR E O ESCRITOR

Nelson Marzullo Tangerini

Tenho uma amiga atriz, a Ana Araújo. Gosto dos artistas, de como eles se dão ao público, quando estão no palco.

George Allen, um senador americano de direita disse, certa vez, num momento de iluminação, uma coisa certíssima: “Se não deres nada de ti aos outros, muito pouco de ti acabará por valer alguma coisa”.

E o velho ditado popular no diz que “Cada um dá o que tem”.

O ator, dotado de sensibilidade e generosidade, dá o que tem: empresta seu corpo a um personagem, dá sua alma, seu gesto, sua interpretação, para alegrar e aliviar a vida daquele que o assiste.

Conversávamos, ela e eu, um dia desses, no msn e eu lhe dizia que admirava os atores, o teatro, este difícil e árduo ofício de subir no palco e dar-se ao público, e depois ser reconhecido nas ruas.

Ela reclamava por que eu não aparecia, por que me escondia, por que era uma pessoa enigmática, reclusa, introspectiva.

Disse-lhe que gosto de ser assim: de viver exilado em mim mesmo, de conversar com meus cães, com as minhas plantas, com cães e gatos abandonados que cruzam o meu caminho nas ruas de minha cidade.

Tenho um amigo pintor, o Wangui, que goza de prestígio em São João Del Rei, Minas Gerais. Ele anda pelas ruas de sua cidade e todos, do outro lado da via, o reconhecem, o aclamam. Gritam seu nome, vêm ter um colóquio com ele. É uma pessoa popular, que tem fama. Ele curte isto, já me disse isto.

Conversamos um dia sobre o assunto, o sucesso, o tornar-se uma pessoa pública.

O escritor é também uma pessoa pública. Só que o que ele escreve no jornal é lido por um grupo reduzido de pessoas. Machado e Drummond foram pessoas públicas e mitológicas em nosso país. Mas acontece que nós ainda podemos andar pelas ruas sem sermos reconhecidos. Esta é a vantagem.

Pego um trem e vou visitar meus tios e primos em Paracambi, Japeri, Queimados, Seropédica ou Mangaratiba; pego um ônibus e visito tios e primos em Casimiro de Abreu; pego um ônibus e vou a Minas Gerais para fotografar o Barroco mineiro; vou a Niterói pela ponte ou de barca e medito sobre a beleza da Baía de Guanabara, hoje poluída.

Olho as pessoas, converso com o ilustre cidadão que viaja a meu lado e trocamos idéias sobre futebol, política, ciência e a vida.

Sou apenas um cidadão comum, um homem que viaja pela superfície do Planeta Terra, observa comportamentos e escreve sobre o que acontece em seu tempo. Se encontrar um leitor, muito bem.

Um dia desses, um amigo roqueiro, Adalberto Barboza, parceiro musical em Energia Azul, música gravada pela banda Suburblues, me trouxe uns dvds de shows de rock para eu assistir. Não gosto do The Who. Não faz meu gênero. Não é minha praia. Gosto apenas de My Generation. E admiro o trabalho do baixista John Entwhistle, já falecido. As letras são infantis e pobres. Como Zak Starkey, filho do ex-Beatle Ringo Starr, é o novo baterista da banda, assisti ao show.

Uma frase de uma canção do The Who, não me lembro mais qual, ecoou em mim: “O lugar mais seguro está dentro de você”.

Às vezes saio para ir à Feira de Antiguidades da Praça XV; outras, para ir a uma reunião de escritores amigos, em Niterói, outras tantas, para assistir a um filme iraniano ou turco.

Gosto de viver dentro de mim, conviver e conversar comigo mesmo.

Admiro quem se expõe, quem leva alegria ao público, com sua representação, com sua pintura, com canção, com sua excentricidade.

Quero apenas ser pontual comigo mesmo, viver em mim mesmo, em minha casa, entre livros, papéis, fotos e plantas - como o Bruxo do Cosme Velho ou Drummond, escrevendo essas mal traçadas linhas.

Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.

nmtangerini@yahoo.com.br, nmtangerini@gmail.com

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 03/08/2008
Código do texto: T1111186